A Boeing vai desativar a produção do mítico 747, mais conhecido como “Jumbo”, o icónico avião reconhecido mundialmente pela sua “corcunda” e quatro motores. A Bloomberg avança a notícia — dizendo até que o funcionários da empresa ainda não foram avisados da decisão –, mas a empresa recusa-se a confirmar o fim do “Rei dos Céus”, como era conhecido. São 50 anos de história que chegam ao fim.
As fontes da agência noticiosa norte-americana explicam que o último 747 sairá de uma fábrica da Boeing nos arredores de Seattle daqui a cerca de dois anos. A agência Reuters, entretanto, também confirma a decisão, citando fonte próprias junto da construtora de aeronaves e de seus fornecedores (que dizem até já ter fornecido as peças necessárias para a construção dos últimos aviões).
Chega, então, ao fim a “viagem” do aparelho que muitos especialistas dizem ter democratizado as viagens aéreas na década de 1970. O seu 50º aniversário foi assinalado em fevereiro de 2019, altura em que já só sobrevivia, praticamente, graças ao boom do transporte de carga via avião, consequência direta da maior apetência dos consumidores pelo comércio on-line.
A Reuters explica que o fim da produção do Jumbo é discutida “há anos”, muito por culpa de uma constante queda de encomendas e grande pressão sobre os preços exigidos. A pandemia do coronavírus e a forma como afetou o setor da aviação comercial terá sido a gota de água que ditou o fim oficial do 747. A última encomenda de uma versão comercial data de 2017, altura em que o governo dos EUA pediu à Boeing que readaptasse dois aviões 747-8 para uso como Air Force One pelo presidente dos EUA.

Uma das utilizações mais peculiares do 747 foi como transportador de space shuttles da Nasa. Nesta foto vemos o famoso Challenger a ser transportado da Edwards Air Force Base (na California), para o John F. Kennedy Space Center (na Flórida), em 1982. Universal Images Group via Getty
Boeing recusa confirmar o fim
Apesar das confirmações chegarem de variadíssimas fontes credíveis, a empresa norte-americana, que atravessa um gravíssimo momento de dificuldades financeiras, recusa confirmar que está a encerrar o programa 747. “A uma taxa de construção de 0,5 aviões por mês, o programa 747-8 tem mais de dois anos de produção pela frente para cumprir os nossos atuais compromissos com os clientes”, disse um porta-voz da Boeing à Reuters.
O término do programa 747 pode muito provavelmente significar perdas de dinheiro e despedimentos e há quem aponte esse cenário mais negro como o motivo para a hesitação da empresa em confirmar o fim do “Jumbo”. O encerramento de produção também poderia ter implicações financeiras pesadas em programas mais recentes da empresa, como o do 787 Dreamliner e o mais recente modelo do 777.
A construtora de aviões com sede em Chicago perdeu cerca de 40 milhões por cada 747 que fabricou desde 2016, ano em que diminuiu a sua produção para apenas seis jatos por ano, explica Sheila Kahyaoglu, analista do banco de investimento norte-americano Jefferies, citada pela Bloomberg. No total, a Boeing registou 4,2 mil milhões de dólares em encargos relativos ao 747-8.

O “Jumbo” fez parte do imaginário das décadas de 80 e 90 durante muito tempo. Foi alvo de “brincadeiras” como esta diversas vezes, quase sempre associadas a iniciativas de caridade. Getty Images
O “Rei dos Céus” da Boeing estreou-se em 1970 e foi uma aposta audaciosa que quase levou a empresa norte-americana à falência. As versões para passageiros tinham uma escada em espiral que dava acesso a um luxuoso salão que ficava no “segundo andar” da aeronave. Os modelos de carga também ficaram conhecidos pelo “nariz” articulado do avião, que abria para carregar um pouco de tudo: de carros de corrida a equipamento para perfuração de petróleo. Desde que foi apresentado, o 747 foi encomendado 1.571 vezes e é o segundo avião a jato de longo curso mais procurado de sempre, ficando atrás apenas do 777 da mesma Boeing.
O outro “gigante” dos ares parece seguir o mesmo caminho
O grande concorrente ao 747 que surgiu nas últimas décadas foi o europeu Airbus 380, aeronave que rapidamente se celebrizou, muito por causa do seu aspeto (e da corcunda ainda maior que, na prática, era como se tivessem sobreposto duas fuselagens de um já enorme avião a jato). A Bloomberg avança que, apesar do alarido e mediatismo gerado pelo A380, também ele pode estar prestes a seguir o mesmo destino que o 747 da rival Boeing. Já se fala da possibilidade de a construtora francesa estar a preparar-se para construir o último destes gigantes.
Enquanto os cargueiros 747 da Boeing podem continuar vivos, o A380 pode desaparecer rapidamente, correndo, com isso, o risco de se transformar num fracasso de proporções épicas — o seu primeiro voo comercial foi a 15 de outubro de 2007, há pouco mais de dez anos, duração que nem chega aos calcanhares do meio século de 747.
Os grandes aviões a jato foram dos principais prejudicados, também, pela pandemia da Covid-19, que ameaça deixar os seus fabricantes a desesperar por compradores para os seus aviões já prontos — não falando sequer dos contratos e encomendas que, em muitos casos, foram cancelados ou anulados por culpa da crise global.

O Airbus A380 pode muito bem vir a seguir o mesmo fim (literalmente) do 747. D.R.
O A380 consegue transportar até 853 passageiros e transformou-se no símbolo da ambição aeronáutica da Europa. O timing do seu aparecimento já foi presságio de um futuro talvez pouco risonho, já que, nessa altura, muitas companhias aéreas começavam a inclinar-se mais na direção de aviões mais pequenos, que consumiam menos combustível.
Tudo isto faz com que o analista financeiro Richard Aboulafia, citado pela Bloomberg, preveja que, enquanto os cargueiros 747 da Boeing continuem a cruzar os céus (apesar de deixarem de construir novos) durante umas décadas, o A380 pode esfumar-se por completo bem mais cedo. “Ele [Airbus A380] terá o menor período de vida útil de qualquer outro avião a jato na história”, prevê Aboulafia. “Ficaria chocado se ainda houver algum A380 em serviço quando chegarmos a 2030”, rematou. A Airbus discorda: “Veremos o A380 a voar por muitos anos”, disse o fabricante de aviões, em comunicado.
De volta ao impacto da pandemia: com muitos estudos a indicarem que as viagens de avião não voltarão ao que eram, pelo menos, até meados desta década, as companhias aéreas — que atravessam crises gravíssimas — estão a escolher os aviões maiores e mais antigos como principais alvos a abater, tal é a necessidade de cortar custos. Cerca de 91% dos 747 e 97% dos A380 estão estacionados desde o início da pandemia, estimou a Credit Suisse no mês passado.