No dia em que a Assembleia da República aprovou a versão final da proposta que detalha como funcionará o “voucher” a que portadores de bilhete de festivais e espetáculos adiados terão direito, o Observador falou com Jorge Lopes, sócio da PEV Entertainment, empresa promotora do festival Marés Vivas e do Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota.
A decisão de cancelar os festivais de verão em 2020 era “inevitável”, mesmo quando já estavam vendidos 28 mil bilhetes e um dos três dias do festival estava “praticamente esgotado”. O que se seguiu foi um enorme desafio, repleto de dores de cabeça e renegociações diárias. Jorge Lopes diz ainda não ter contabilizado o prejuízo, mas admite viver uma “situação dramática”. Quer garantir 80% do cartaz anunciado, onde nomes como Anitta e Liam Payne estão já confirmados para a próxima edição, que decorrerá entre 16 a 18 de julho, em Vila Nova de Gaia.
Relativamente ao Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota, inaugurado em outubro do ano passado, o promotor afirma que o futuro é ainda “uma incógnita”. O espaço continuará a ser um hospital de campanha pelo menos até ao fim do mês de julho, mas a partir de setembro a programação de concertos mantém-se e ainda nada foi cancelado. No entanto, a abertura de portas dependerá do evoluir da pandemia e, claro, das medidas impostas pelo Governo. Caso sejam as mesmas que se conhecem nesta fase, que obrigam a um distanciamento social de dois metros, o que faz com a que a lotação da sala diminua significativamente, Jorge Lopes não tem dúvidas. “Seria impossível reabrir.”

▲ O festival Marés Vivas acontece desde 2007 ininterruptamente
© Artur Machado / Global Imagens
Era uma decisão inevitável proibir os festivais de verão este ano?
Trabalhamos há um ano para que as coisas pudessem ser possíveis, mas tendo em conta o estado do planeta, porque isto não é um problema exclusivo de Portugal, claro que era uma decisão inevitável.
Durante o encontro com o Governo, todos os promotores estiveram de acordo com este cenário?
Poderá ter havido um ou outro que tivesse alguma esperança que o seu festival se pudesse realizar por ser mais tarde ou por ser numa outra região, mas todos estavam de acordo que no estado em que o país está neste momento, seria impossível realizar este tipo de eventos.
No seu caso, manteve esperança?
Quando a pandemia rebentou, começámos a perceber a gravidade da situação. Tivemos sempre algum otimismo que isto fosse ultrapassado, afinal, faltavam cinco meses. Mas com o passar das semanas, entendemos que não havia volta a dar, por tudo o que se instalou por toda a Europa e por todo o mundo. Percebemos que não era possível.
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Quantos bilhetes já estavam vendidos?
Tínhamos cerca de 28 mil bilhetes vendidos. Sábado era um dos dias que já estava praticamente esgotado.
Algum dos artistas confirmado já tinha cancelado o concerto?
Não, todos eles aguardaram por desenvolvimentos. Isto foi tudo muito rápido, caiu uma bomba atómica no mundo. Tal como nós, os artistas programam uma turné durante um ano e de um momento para o outro isto surge e eles próprios não percebem o que se está a passar. À medida que o tempo foi passando, começamos a conversar e a perceber que era inviável, quer eles viajarem, quer tonar eventos desta envergadura possíveis. Estaríamos a colocar em risco a saúde de todos.
Como está a ser feita a gestão dos recursos e encargos que já estavam assumidos? Já avaliaram o prejuízo?
É dramático. Estamos a tentar resolver o problema diariamente para que o drama não seja tão grande e consigamos minimizá-lo de alguma forma. Um festival é trabalhado e pensado com um ano de antecedência, há muito dinheiro despendido desde o dia em que se lança a primeira pedra até aos dias do evento. É complicado, não temos isso avaliado ainda, mas estamos a renegociar um sem número de coisas, os artistas, os custos, os voos comprados. É uma situação dramática.
O que é mais difícil neste processo?
O mais difícil nem é a parte financeira, é a sensação que temos em concluir o nosso trabalho e o facto de não conseguirmos ter isso. Faço festivais há 20 anos e é o primeiro ano em que não vamos ter o prazer de organizar um evento e ter aquela moldura humanas, isso também nos satisfaz. É bom perceber que as pessoas ficam felizes ao viverem aquela experiência, é uma das coisas que nos vai custar mais e vai ser ainda mais duro quando chegar aos três dias do festival.
Já estão a pensar no próximo ano. O que podemos esperar?
Queremos manter grande parte dos artistas, as grandes pérolas do cartaz.
Estamos a falar de mais de metade?
Conto que 60 a 80% do cartaz vamos conseguir fechar. Podemos anunciar já a Anitta e o Liam Payne, que atuavam no dia mais vendido. Estão ambos confirmados para sábado, dia 17 de julho. Há outro nome que sentimos que havia muita vontade de o ver, que é o Maluma, mas foi anunciado dois dias antes de rebentar a pandemia, por isso não houve grandes sinais de venda.
Será um nome a manter?
Sim, queremos mantê-lo, mas neste momento ainda não está confirmado. Queremos também deixar algum espaço, porque acreditamos que para o ano poderão surgir outras boas oportunidades. Temos alguns nomes em cima da mesa que se calhar vão tornar o festival mais apelativo e ainda maior.
Que novidades são essas?
Não posso adiantar, ainda não estão fechadas.

▲ O Super Bock Arena - Pavilhão Rosa Mota tornou-se um hospital de campanha para combater a Covid-19 em abril
Octavio Passos
O reembolso ou a troca de bilhetes tem suscitado algumas dúvidas e polémicas. Agrada-lhe o que foi aprovado hoje na Assembleia da República?
Este formato que o Governo hoje legislou parece-nos perfeitamente adequado, pois protege a continuidade e a saúde desta máquina cultural, mas ao mesmo tempo protege o consumidor, porque lhe permite tomar a opção de ir ou não ao festival. Ou seja, se alguém que comprou o bilhete este ano e não se revê no cartaz do ano seguinte ou não quer assistir a mais nenhum espetáculo do mesmo promotor, será reembolsado. Quem tiver o bilhete e quiser manter a presença no festival no próximo ano, o bilhete deverá ser trocado, sem qualquer custo, por uma questão de datas. Adotamos a regra de devolver o dinheiro logo após o festival, no dia seguinte. Até lá, as pessoas ainda têm alguns meses para ouvir as nossas propostas, de forma a que possam optar por ir ou não.
Relativamente ao Super Bock Arena — Pavilhão Rosa Mota, do qual também é promotor, quando é que ele poderá reabrir e de que forma é que isso poderá acontecer?
Para já o futuro é um bocadinho incerto. O hospital de campanha estará instalado até finais de julho e temos, a partir de setembro, uma agenda cheia de eventos marcados até dezembro, como a Joss Stone, a Ana Carolina ou a Marília Mendonça. Parte deles já estavam marcados, outros, que iriam acontecer em abril e maio, foram adiados para o final do ano. Agora, tudo depende de como o país e o mundo vão responder a esta pandemia e de que forma é que se vai voltar a ter espetáculos. Os bilhetes estão à venda, não há nada cancelado, há outros a quererem marcar, mas temos que perceber quais são as medidas restritivas que o Governo irá implementar, qual é a viabilidade deste tipo de salas abrirem, qual é a disponibilidade do público de ver espetáculos e depois dos próprios artistas. Estamos ainda numa incógnita muito grande, vamos aguardar.
Das normas que já conhecemos, que implicam a redução da lotação das salas, isso pode poder em causa a sustentabilidade de uma sala como esta?
Sim, completamente. As medidas que se têm tornado públicas, embora não sejam as finais, são medidas restritivas direcionadas para a primeira quinzena de junho. Temos que aguardar, mas se chegarmos a setembro e tivermos estas medidas restritivas penso que nenhum espetáculo é viável e vai ser mesmo impossível que a maioria das salas do país possam abrir. Quer pelo custo das salas, quer pelos artistas.
Mas a dimensão deste pavilhão ajuda.
A dimensão ajuda a tornar possível algumas coisas, para todos os efeitos é a maior sala de espetáculos no Porto, é a sala que vai ter mais capacidade apesar das medidas restritivas. No entanto, depois tem que ver com o estado em que estamos, havendo medidas restritivas é sinal que a pandemia ainda não nos deixou, é sinal que as pessoas ainda têm algum receio, que os artistas ainda não viajam, e aí tudo vai ser mais difícil.
Com as medidas que estão em cima da mesa, pode abrir as portas?
Não, é impossível. Temos uma sala com 4500 lugares sentados, o que se traduzia numa lotação de 700 e pouco. As salas mais pequenas com mil lugares, ficariam com 150 a 200 lugares, o que é inviável. Ou se teriam preços astronómicos nos bilhetes, o que também não faz sentido, ou então torna impossível qualquer vida cultural normal. Quando efetivamente pudermos trabalhar e o Super Bock Arena estiver disponível, vamos querer programar e voltar à normalidade, mesmo com regras estabelecidas. Iremos fazer todos os possíveis para reabrir e fazermos a nossa parte para trazer a normalidade o mais rapidamente possível.