Índice
Índice
Quando apareceram como concorrentes do Festival da Canção de este ano, poucos as dariam como favoritas. Marta Carvalho, a começar uma carreira como compositora depois de participar no programa The Voice enquanto cantora, foi convidada pela RTP para escrever um tema para o Festival da Canção. A jovem de 21 anos desafiou a cantora madeirense Elisa, de 20 anos, atual estudante da Escola Superior de Música de Lisboa que também ainda não se revelara inteiramente ao país, a cantar “Medo de Sentir”.
A concorrência era forte. Entre os compositores e intérpretes a concurso estavam Dino D’Santiago, Filipe Sambado, Jimmy P, Tiago Nacarato e Elisa Rodrigues, entre outros, todos com álbuns a solo já editados no currículo e alguns com carreiras bem mais longas. O festival, contudo, é um concurso de canções e não de carreiras — e “Medo de Sentir”, canção de Marta Carvalho cantada por Elisa, bateu a concorrência e será a canção portuguesa na edição de este ano do Festival Eurovisão da Canção, sucedendo a “Telemóveis”, de Conan Osiris (2019), “O Jardim”, de Isaura e Cláudia Pascoal (2018) e a vencedora da Eurovisão 2017 “Amar pelos Dois”, de Luísa e Salvador Sobral.
Em conversa com o Observador, na primeira grande entrevista à imprensa nacional (antes, falaram também longamente com a RTP, que organiza o concurso), Marta Carvalho e Elisa recordam as emoções do dia da final e o momento em que souberam que tinham “entrado para a história do Festival da Canção”. Além disso, explicam como nasceu a canção que conquistou o país, contam quando começaram a perceber que a vitória era mesmo uma possibilidade, assumem-se como “avózinhas” porque foram as primeiras a abandonar a “after party” depois da final, revelam as expectativas para a Eurovisão e dão mais detalhes sobre as suas vidas até aqui.
Elisa: “Lembro-me de dizer: se não ganharmos, coitadinhos, tiveram tanto trabalho…”
Qual foi a primeira coisa que vos passou pela cabeça quando perceberam que tinham vencido o Festival da Canção? Perceberam antes do anúncio, já estavam a fazer contas dos votos do público e júri?
Marta Carvalho – Acho que nenhuma de nós fez contas. Aliás, já vi a gala em casa e percebi que quando já era óbvio que tínhamos ganho toda a gente começou [a cantar]: “Elisa! Elisa! Elisa!”. Na altura pensámos que estavam só a apoiar-nos — e na altura já era óbvio. Não estávamos nem aí.
Elisa – Não estávamos mesmo. Ainda por cima, com os nervos… sei que são contas muito simples mas quando uma pessoa está nervosa e tem aquela tensão toda, nem nos passou pela cabeça fazer contas. A minha cabeça parecia um deserto, não sabia o que se estava a passar e acho que se nota muito bem no vídeo [da transmissão]. Tiveram de me levantar, estava sentada e não me ia levantar, já estava tudo a festejar mas eu estava em estado de choque.
No momento em que percebem que ganharam mesmo, o que é que vos passou pela cabeça?
Marta Carvalho – Só pensava: não acredito, não acredito, não acredito. Depois quando chego ao palco… o momento em que me cai tudo é quando o Conan Osiris se ajoelha à minha frente, como se fosse fazer um pedido de casamento, e nos entrega o prémio. Só pensava: isto não está a acontecer [sorri].
Esse momento com o Conan Osiris deu uma bela fotografia…
Marta Carvalho – Completamente. Parece que nos está a venerar, é uma coisa linda.
Elisa – Eu também lhe fiz a vénia.
Marta Carvalho e Elisa em simultâneo – É o Conan Osiris!
Depois do final da transmissão, houve alguma chamada, alguma mensagem, alguma conversa que tenham tido e que vos tenha emocionado mais?
Marta Carvalho – Acho que não, foi um bocadinho a correr…
Elisa – Eu, felizmente ou infelizmente, fico sempre longe do telemóvel nestas situações. Já aconteceu na primeira semifinal e também aconteceu agora na final: afastei-me mesmo do telemóvel. Antes da conferência de imprensa [pós-vitória] não falei com ninguém. Depois falei com o meu irmão, que estava e ainda está na Madeira porque não pôde vir cá. Falei com ele e foi muito emocionante porque é muito mais velho do que eu e viu-me sempre como a irmãzinha mais nova. Estava com muito orgulho e notava-se mesmo na voz dele que estava radiante, parecia que a vitória tinha sido dele. Estavam os amigos todos dele a mandar-me os parabéns, ouvi assim de longe na chamada… foi mesmo lindo. Foi a única chamada que tive. Depois andava sempre a desligar as outras todas porque não conseguia mesmo falar e queria desfrutar.

▲ @ JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
No seu caso, Marta, como foram os primeiros contactos com pessoas próximas depois de saber que tinha ganho?
Marta Carvalho – Eu aí sou um bocadinho o oposto da Elisa: vejo tudo, sou muito curiosa. Como estive noutro concurso [The Voice] tenho um bocadinho mais experiência a lidar com os comentários das pessoas. Sei filtrar um bocadinho o que é construtivo e o que não é e só ligo ao que é construtivo e positivo para a minha cabeça. Mas vejo tudo. Fui falando com a minha família ainda a gala estava a decorrer. Estava a falar com algumas pessoas [durante a emissão], a ver os posts da minha madrinha, toda contente e orgulhosa, nas redes sociais… mas de facto, quando tivemos a conferência de imprensa, abracei os meus pais que estavam lá e abracei o meu namorado que também estava. Sentir o apoio da família é o mais importante, porque sem o apoio deles esta vitória seria muito oca, não tínhamos ninguém com quem a partilhar, com quem celebrar. Temos as duas muita sorte nesse sentido, ambas temos famílias que nos apoiam muito no que estamos a fazer.
Elisa – Sem dúvida… a minha mãe veio cá [ao continente], para a final. Não deu para o meu pai vir, mas ele veio na primeira semifinal e deu-me um abraço de conforto. A minha mãe estava cá e parecia que estava a família inteira. Contou-me como as pessoas estavam a reagir na Madeira. A minha avó, o meu pai e o meu irmão não estavam cá mas enviavam sempre mensagens, ligavam, por isso sentia que estavam comigo.
Houve uma reedição na Madeira daquilo que aconteceu em 2008, quando a Vânia Fernandes venceu o Festival da Canção?
Elisa – Acho que sim. Tinha nove anos quando a Vânia foi ao Festival da Canção e à Eurovisão, mas lembro-me de gastar o saldo todo dos telemóveis dos meus pais a votar nele e de ficar super feliz. Lembro-me que estávamos todos a dar apoio, até parecia que a conhecíamos super bem. Desta vez senti isso, mas como não estava dentro dessa onda — era eu a pessoa que estavam a apoiar — não fiquei com a noção exata da dimensão desse apoio.
Já disse isto várias vezes mas volto a dizer porque foi muito importante para mim: na Ponta do Sol [município madeirense] montaram um ecrã gigante para as pessoas assistirem à final do Festival da Canção. Nem sabia que isso era possível [risos]. Quando soube, antes ainda do Festival, foi porque o meu pai me ligou a dizer que ia acontecer. Lembro-me de dizer: se não ganharmos, coitadinhos; tiveram tanto trabalho, não quero que fiquem dececionados. Responderam-me: nada disso, estamos aqui a divertir-nos. Senti mesmo que acontecesse o que acontecesse, ganhássemos ou não, estavam todos lá.
Fala-se muito, todos os anos e durante as transmissões na ‘green room’, de um ambiente saudável entre os concorrentes. Retiveram alguma mensagem especial de algum outro concorrente?
Marta Carvalho – Sim… Não podemos estar a dizer nomes mas recebemos mensagens de vários concorrentes que deram o apoio total à nossa canção, que nos disseram que a nossa canção era a favorita deles e que merecíamos ganhar. Pessoas com canções incríveis!
Elisa – Não nos relacionámos tanto com as pessoas que estiveram na segunda semifinal e não passaram à final porque não tivemos oportunidade, não estivemos tanto tempo com eles. Mas com as pessoas da primeira semifinal, que foi a nossa, até nos ensaios sentimos cumplicidade.
Marta Carvalho – Muita camaradagem. Nem parecia que estávamos numa competição. Aliás, no momento em que cantámos todos juntos [na final] notava-se claramente que estávamos a apoiar cada canção que aparecia. À medida que cada um ia para o palco víamos juntos através de uma televisão. Foi muito engraçado.
A vossa canção era, antes da final, uma das mais ouvidas nas plataformas digitais de streaming. Era certamente algo de que tinham noção. Já tinham aí a perceção de que isto, esta vitória, era mesmo possível acontecer?
Marta Carvalho – A nossa canção ter sido a única no top do Spotify em Portugal deu-nos uma perceção de que o público português gosta mesmo deste tipo de canções e que a canção tocou no coração de muita gente. Aí foi a primeira vez em que senti: OK, isto pode correr bem. Mas com os pés muito assentes na terra, porque poderiam haver — e existiram — surpresas e volte-faces nas votações. De qualquer modo, sim, quando soube disso foi a primeira vez em que senti que isto pode correr bem, que as pessoas estavam a gostar da canção. A mensagem passou.
Na final do Festival da Canção do ano passado houve depois um momento de convívio entre vários concorrentes, em que estava o vencedor. Este ano aconteceu o mesmo?
Elisa – Houve uma after party e fomos dar um ar da nossa graça. Mas ficámos pouco tempo.
Marta Carvalho – Nós somos “avózinhas” e quisemos ir para o hotel.
Elisa – Éramos das mais novas do concurso e fomos ‘as que foram para casa mais cedo’ [sorri].
Já sabia quem ia ganhar, mas vi tudo até ao fim: a final do Festival, canção a canção
Marta Carvalho: “Acredito piamente que conseguiremos representar bem Portugal”
Depois de passarem à final, disseram que não se imaginavam ainda em Roterdão porque até há pouco tempo não se imaginavam sequer no Festival da Canção. Depois da poeira assentar, já conseguem pensar nas mudanças que uma coisa destas pode trazer para as vossas vidas?
Marta Carvalho – Claro. Primeiro que tudo, estamos na história do Festival da Canção, o que é uma coisa inacreditável. Crescemos pequeninas a ver na televisão, no sofá, com mantas… Cada uma de nós tem um troféu e pus o meu em cima do piano lá em casa. Agora sempre que passo por ali dá-me um arrepio na espinha, como se ainda não acreditasse no que aconteceu.
O troféu vai inspirar as próximas composições ao piano?
Marta Carvalho – Com certeza. Não querendo propriamente comparar, é como se fosse um Grammy ao nível de Portugal. Está ali um prémio que representa a excelência na música de uma equipa inteira e de uma canção. Aliás, escrevi isso nas redes sociais: não ganhou a nossa atuação, não ganhou a Elisa, não ganhou a Marta, não ganhou a RTP; ganhou a canção. Até porque a nossa atuação tem muito para crescer. Ganhou a canção, que tocou as pessoas.
Diz que a interpretação tem muito para crescer. Na final, a Marta também esteve em palco a interpretar o tema. É algo que vos apetece replicar na Eurovisão? Mesmo que as ideias possam mudar, neste momento apetece-vos manter essa opção?
Elisa – Bem, eu estive no palco — precisava de estar — na primeira semifinal e na final. Ter a Marta no palco comigo agora na final deu-me uma confiança enorme. Ainda não vi a atuação, mas sinto, sinto mesmo e acho que as pessoas também devem ter sentido, que havia uma Elisa na primeira semifinal e houve outra Elisa na final. E acho que a razão para isso em grande parte é ter tido a Marta comigo, ao piano e a cantar. Acho que isso deu outra envolvência ao tema. No que depender de mim, vou sempre dizer: quero a Marta comigo no palco.
E a Marta?
Marta Carvalho – Ainda tenho de pensar… Aliás, temos todos de pensar na nossa equipa. Entendo o que a Elisa disse e para mim foi dos momentos mais bonitos da minha vida, mesmo não tendo cantado como intérprete [principal]. Foi mesmo bonito porque é a pessoa que é, é a amizade que acabei de conquistar — e ela a minha —, é uma canção que fala com as duas e por isso foi um momento bonito. Ganhámos as duas o Festival da Canção juntas, com aquela canção, com aquela atuação. Ainda temos agora de analisar e pensar um bocadinho mais racionalmente, perceber se assim funciona bem na Eurovisão ou não. Ainda estamos a pensar, a falar com a RTP, a falar com a nossa equipa…
E a falar com antigos vencedores do Festival [que foram à Eurovisão]?
Marta Carvalho – Para já ainda não falámos, mas sem dúvida que tirámos bastante inspiração quer de vencedores quer de outro tipo de atuações na Eurovisão. Isso ajuda muito. Agora temos de pensar um bocadinho.
Também referiram depois da final que são bastante jovens. Tendo em conta isso, sentem que estavam preparadas para a avalanche que aí vem, para a exposição, para a dedicação que vai ser necessária?
Marta Carvalho – Isso já é um processo pessoal mais do que coletivo, porque isso depende do que está na cabeça de cada uma. A Elisa terá uma forma de lidar com isso e eu terei outra, tendo em conta as nossas experiências de vida e as experiências neste ramo. Eu sinto que estou preparada, mas nunca sabemos. É como ter um filho, podemos sentir que estamos preparados mas nunca sabemos até tê-lo. Aqui vai ser semelhante, porque só na altura em que estivermos ali no meio, com tudo a acontecer, é que percebemos se conseguimos lidar bem com isso ou não. Mas neste momento acredito piamente que conseguiremos representar bem Portugal, fazer jus à canção com todo o respeito do mundo e aguentar todo o tipo de pressões. O mais importante é a canção, não são as pressões e o que está à volta.
Nem sempre as expectativas quanto ao sucesso ou insucesso de uma canção na Eurovisão são confirmadas — já tivemos o Salvador Sobral que poucos esperavam que vencesse e um Conan Osiris a quem se vaticinava sucesso mas que não conseguiu passar à final. Essa imprevisibilidade da Eurovisão, dos critérios da Eurovisão, é algo em que já pensaram?
Elisa – Eu não pensei muito… Acho que depende muito da mentalidade com que se vai à Eurovisão. Apesar de sermos muito novas, temos a cabeça no sítio e sabemos que estamos aqui porque trabalhámos imenso. Acreditamos nesta canção. É claro que há sempre favoritas, mas o facto de não se saber muito bem como vai correr — porque também tem muito a ver com o staging que é feito, com a minha prestação vocal que também não sei como será, espero que corra bem… Tudo pode acontecer até lá, mas acho que não vale a pena sofrer por antecipação. É ver como as coisas correm e tentar não ligar muito ao que se vai dizendo. Toda a gente tem gostos diferentes, há quem goste e não goste e não podemos ir por aí, temos de fazer o melhor…
Marta Carvalho – É como estava a dizer há bocado, são fatores externos que desviam a atenção do que realmente interessa. Apesar da Eurovisão ser diferente do Festival da Canção em termos de dimensão, também já existiam muitos prognósticos para o Festival da Canção — alguns mais acertados, outros menos. O ideal é focarmo-nos na canção e não ligarmos tanto a essas avaliações que um dia são uma coisa, no outro dia são outra.

▲ Marta Carvalho (à esquerda) e Elisa (à direita) em Elvas, depois da vitória na final da edição de este ano do Festival da Canção (@ ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR)
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR
Não vos preocupa essa oscilação das avaliações?
Marta Carvalho – Pessoalmente não me afeta nada. Aqui, o que aconteceu foi que só se percebeu exatamente o resultado [depois de] o voto do júri e o voto do público, que são targets [públicos alvo] muito diferentes.
Marta Carvalho queria “fazer uma canção intemporal”, Elisa fala da fé no número 7
Depois da final, a Marta Carvalho contou que o tema da canção surgiu depois da primeira conversa mais longa que teve com a Elisa. É uma canção inspirada por experiências de vida das duas, só de uma ou é inspirada por um exercício ficcional e imaginativo?
Marta Carvalho – Isso foi muito interessante… Estava na sala com a Elisa e já sabia que ia criar uma canção. Perguntei-lhe: ‘como te sentes hoje?’ Ela disse-me: ‘estou aqui com um misto de emoções…’ e começou a falar-me da vida dela. Chegou uma altura em que ela me disse: ‘parece que estou com medo de sentir’. E eu: ‘girl, é mesmo isso, isso dava uma boa canção!’ Foi a partir daí que tudo nasceu. Começámos a falar da nossa vida, começámos a partilhar experiências. Agora faz tudo sentido: todas as experiências menos boas que tivemos eram todas precisas para esta canção nascer e todas eram precisas para conseguirmos vencer o Festival da Canção e passarmos esta mensagem às pessoas.
A canção vai tendo um crescendo. No refrão, parece que vai explodir entre o verso “pergunta ao tempo” e o verso “ele sabe tudo sobre mim”.
Marta Carvalho – E não explode.
Ora bem. Em vez de subir, baixa — há ali uma contenção na forma de cantar e nos próprios arranjos. Isso tem a ver com a letra?
Marta Carvalho – Tem a ver com a letra e foi pensado, aliás com o Mikkel Solnado, que produziu a canção. Se fossemos para os clichés da música pop a canção teria de explodir muito mais nesse momento específico, mas a canção fala sobre o medo de sentir, sobre ter medo de arriscar e voltar atrás. A ideia era que isso se sentisse constantemente na canção, tanto na letra como na melodia e produção. Só no final é que a canção começa a emanar alguma esperança e por isso a ‘abrir’.
Marta, depois de aceitar o convite da RTP para compor um tema, tinha critérios definidos à partida quanto ao intérprete que iria escolher? Por exemplo, tinha de ser uma voz feminina, ser uma voz capaz de cantar em determinado tom, alguém capaz de cantar com essa contenção, algo assim?
Marta Carvalho – As minhas primeiras questões não foram tanto na voz, porque ainda não sabia se seria eu a cantar ou se seria outra pessoa, um homem ou uma mulher. O que queria em primeiro lugar era fazer uma canção intemporal. Não queria levar para o festival necessariamente uma música R&B, que é o meu estilo enquanto intérprete, ou obrigatoriamente uma balada. Queria uma canção intemporal independentemente do estilo, uma canção que daqui a 20 anos as pessoas possam cantar o refrão e sintam que ainda é atual. Acho que conseguimos fazer isso, que era o principal.
Escolher um intérprete era à partida o mais difícil de tudo, não porque não tivesse sido óbvio para mim que tinha de ser a Elisa — foi —, mas porque se não fosse eu a cantar e ela não existisse iria passar o cabo das tormentas. Primeiro, porque não imagino esta canção em mais ninguém. Depois, sou muito exigente porque também sou intérprete. A pessoa tinha de passar a emoção certa, tinha de ter as capacidades [vocais] e tinha de ter a capacidade de aguentar a pressão. Acho que só a Elisa era capaz de fazer isso e tive sorte nesse sentido, porque tinha aqui esta menina que tinha acabado de conhecer. Se não a tivesse conhecido, teria sido complicado.
Numa conversa anterior, aqui na Rádio Observador, a Marta disse que as duas têm personalidades parecidas. Em que aspetos é que as vossas personalidades se aproximam?
Elisa – Em personalidade, até acho que somos um pouco diferentes. Vejo a Marta como uma rapariga super segura de si, super assertiva. É alguém que consegue dizer: quero isto assim e assim, vou fazer assim e vou fazer de modo a que isto dê. Eu sou um pouco mais… não é bem insegura, mas tímida, talvez. Sou mais mansinha, penso: “Ai, eu quero isto mas não sei muito bem se dá, o que é que pensam?, se não gostarem digam logo, deixem estar, eu já não quero” [ri-se]. Não sou tão decidia como a Marta. Mas depois há outras coisas…, somos jovens mas acho que já passámos as duas por coisas que nos moldaram e que nos deixaram a dada altura com este ‘medo de sentir’. Há outras coisas curiosas: por exemplo, ambas temos um irmão mais velho que tem mais 11 anos do que nós. Foi muito esquisito, todos os amigos têm irmãos que não são assim tão mais velhos. Começámos a falar e percebemos que temos isso em comum…
Marta Carvalho – Também somos as duas ‘avózinhas’…
Elisa – Exatamente, adoramos ficar no nosso cantinho. E temos a mesma paixão pela música e a mesma vontade de lutar contra o mundo, de nunca desistirmos apesar de tudo o que possa acontecer.
Marta Carvalho – Outra coisa que não tem a ver com personalidade, mas às vezes estamos a falar com alguém e dizemos as coisas ao mesmo tempo. Parece telepatia. É muito estranho.
Elisa – Sim. Mas isso já é o universo a conspirar…
São os chakras a alinharem-se todos?
Elisa – Sim. Por acaso temos histórias muito giras de chakras a alinharem-se.
Partilháveis? Vamos a isso.
Elisa – Quando descobri que tínhamos a canção número 7 da final fiquei super entusiasmada, mas não quis dizer nada a ninguém. Comecei a fazer as ligações todas na minha cabeça: temos a canção número 7 e a final é no dia 7 de março. Eu faço anos no dia 7 de maio. Por acaso também é o meu número da sorte. Vivo no apartamento 7. E por aí fora… disse isto à Marta e ela achou imensa piada. Um dia fomos a uma farmácia, eu tirei a senha e a senha era E07, que tanto dava para “Elvas 7” como para “Elisa 7”. Mostrei logo à Marta…
Marta Carvalho – Foi demais. ‘Isto é macumba!’ [risos]. Depois a terra tremeu na Madeira — com o devido respeito e ainda bem que ninguém se aleijou. Foram muitas coincidências a acontecer…
Elisa – Graças a Deus nunca experienciei um sismo e a minha família penso que também não. Ter acontecido logo naquele dia, por volta das 21h [hora do início da final], foi estranho.
Como passaram o dia da final?
Marta Carvalho – É engraçado porque as pessoas devem ter pensado: é a final, vão estar muito tensas. Eu passei o dia de chinelos do hotel e com as calças de fato de treino mais foleiras, a andar por aquela arena toda, de um lado para o outro. Passei-o a comer — foram-me buscar barras —, a beber água, a conversar, a jogar, tudo na maior das tranquilidades. Fizemos o nosso ensaio tranquilamente, correu bem. Depois os nervos começaram a apertar um bocadinho quando começou a chegar a hora da final. Outra coisa muito engraçada: mesmo antes de entrarmos, antes da canção número 6, a “Diz Só” da Kady, rezámos as duas um bocadinho a olhar uma para a outra. Perguntei-lhe: posso rezar contigo? A Elisa disse-me que sim.
Paralelamente à canção e à forma como vivem o Festival nas galas, há a internet e as redes sociais…
Marta Carvalho – É tipo futebol, vive-se muito estas coisas.

▲ @ JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Logo na primeira semifinal o Conan Osiris, que fazia parte do júri, pediu às pessoas para terem calma na internet. Iam seguindo o que as pessoas diziam na internet?
Marta Carvalho – Ela não, eu sim.
Estavam à espera disso quando aceitaram participar?
Marta Carvalho – Eu tinha noção, estava mais à espera…
Até pela experiência anterior que teve em concursos televisivos…
Marta Carvalho – Sim, se bem que isto é muito pior do que o The Voice nesse aspeto. De qualquer forma, estava à espera de pior. Estava à espera de comentários piores, esperava que as pessoas fossem mais duras do que estão a ser — o que é ótimo, tanto para mim como para a Elisa. A maior parte das críticas que vou vendo são positivas e consigo retirar ali coisas que valem a pena e que importam para a nossa atuação. Mas sejam pessoas que nos insultam sejam pessoas que fazem críticas construtivas, não me estão a afetar minimamente para já. Arranjei um filtro.
Na música portuguesa, se recuarmos umas décadas, o mais habitual era cantoras interpretarem temas que eram compostos por homens. No fado, por exemplo, era algo muito habitual. Aparecerem cada vez mais mulheres a compor, quer para elas mesmo quer para outras vozes femininas, é uma mudança de paradigma ou ainda é cedo para dizer isso?
Marta Carvalho – Acho que é, totalmente. Disse isto na conferência de imprensa [depois da final]: é sempre respeitado quando uma mulher escreve, o problema é que as pessoas ainda ficam admirados com isso. Já recebi comentários como: ‘disseram-me que ias ser a compositora, até estava a pensar no que vinha aí, se vinha alguma coisa de jeito”. Porquê? Porque sou rapariga. Também vi um comentário, que não me afetou — estou só a dizer isto porque achei piada —, em que uma pessoa falava da atuação até de forma bastante educada mas no final escrevia “depois temos a Marta Carvalho (será que ela escreveu mesmo a canção?)…” Se fosse um homem ninguém tinha feito este comentário, não duvidavam que tivesse escrito. Isto ainda acontece, mas no ramo da música pop, à medida que vão aparecendo mais mulheres, como temos a Luísa Sobral e etc, vai-se quebrando um bocadinho esta norma. É um caminho. Não adianta sequer estar aqui a falar porque é nas coisas pequenas do dia-a-dia que se vai mudando, é através das ações.
Marta Carvalho: “Quando terminou o The Voice, saí da faculdade. Pedi aos meus pais: deem-me um ano”
Falando um bocadinho dos vossos percursos isoladamente: a Marta Carvalho nasceu no Porto, vive em Lisboa desde os 19 anos — portanto, há dois anos. Começou a estudar música aos 12 anos, estudou clarinete, tocou em orquestras e participou no programa “The Voice Portugal”, do qual foi finalista. O que é que essa experiência de um concurso televisivo — e desse concurso em particular — teve de melhor e menos bom?
Marta Carvalho – De menos bom muito sinceramente acho que não teve nada. A única coisa talvez menos boa era que, para aguentar a pressão, não estive lá com a intenção de fazer muitos amigos, estava só no meu canto, não ouvia os ensaios de ninguém. De resto, para mim foi uma escola. Não olhei para aquilo como algo capaz de catapultar a minha carreira. Fui para lá com consciência de que aquilo era uma escola e que a seguir tinha muito trabalho pela frente. A experiência de estar no The Voice permitiu-me ter a certeza de que quero ser intérprete.
Quando terminou o The Voice, saí da faculdade. Estava numa área de gestão, nada a ver [com música]. Pedi aos meus pais: por favor, deem-me um ano. Nesse ano comecei a escrever canções. Ou seja, só comecei a escrever canções aos 18 anos, muito recentemente. Por isso é que ainda é muito estranho para mim ter vencido o Festival da Canção, porque canto desde sempre mas não escrevo desde sempre. Passado um ano consegui não ter de voltar para a faculdade e vim morar para Lisboa. O The Voice foi uma escola — não me ajudou a ter mais visibilidade, até porque a maior parte das pessoas com quem comecei a trabalhar quando vim para Lisboa nem sequer sabiam que tinha estado no programa. Foi mesmo uma escola, para perceber como se atua e como se está em televisão, para ganhar capacidade para agora lidar com os comentários das pessoas.
Nesse momento em que saiu da universidade, que perspetivas de carreira tinha? Como se via com a idade que tem hoje, 21 anos?
Marta Carvalho – Nessa altura tentava fazer planos, mas como era tudo tão instável focava-me num dia de cada vez. Nesse ano depois de sair da faculdade fiz muita música má, fiz muita música melhorzinha e enviei muitos e-mails para todas as agências do país. Já reuni com todas as agências e levei com imensos “não”, mas continuei… tenho de falar dos meus pais, que apoiaram-me imenso nessa altura em que levei com imensos “não”. Encorajaram-me, disseram-me que ia conseguir. Depois comecei a compor para outros artistas e foi assim que entrei na indústria musical. Fui vivendo um dia de cada vez. Agora se calhar já consigo olhar para o futuro, na altura não conseguia porque nada era materializado, estava a tentar perceber se conseguia compor músicas, enviar para as pessoas, perceber se elas gostavam.

▲ Marta Carvalho, de 21 anos, natural do Porto, compôs o tema "Medo de Sentir", que venceu o concurso de canções da RTP (@ JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Das colaborações com outras artistas, há algumas que possa destacar? Esse trabalho de produção e composição, que fica registado nos créditos, às vezes fica um bocadinho na sombra.
Marta Carvalho – Curiosamente, uma das razões que me levou a decidir não cantar [no Festival da Canção] era a maior parte das pessoas conhecerem-me só por aquilo que cantava, sobretudo no The Voice. Ainda não conheciam este lado que já tenho há dois anos, que é o de compor para outros artistas. Foi bom as pessoas terem descoberto a Elisa como intérprete e terem descoberto esta minha vertente de compositora. Um dos nomes para quem adorei compor até aqui foi o Fernando Daniel. Há dois singles dele, o “Tal Como Sou” e o “Nada Mais”, que foram escritos por mim e por outros compositores. Há um outro tema do álbum novo [dele] que também vai sair e que fui eu que compus. Compus também para a April Ivy e para a Sara Carreira, trabalhei com o Agir, com os Karetus, com o David Carreira… também já escrevi fado para alguns nomes interessantes, mas há músicas que ainda não saíram e por isso não posso referir nomes. Mas esse período foi muito bom, deu para crescer muito como compositora.
Elisa: “Pensei em desistir, já me estava a resignar a não fazer música de todo”
No seu caso, Elisa, quando sai da Madeira rumo a Lisboa com que expectativas ia? O que achava que ia ser a vida em Lisboa, pessoal e profissional, nos primeiros anos?
Elisa – Quando fui para Lisboa era suposto ter entrado logo na Escola Superior de Música de Lisboa. Não passei as audições, portanto não deu.
Passou pelo curso de Estudos Artísticos, certo?
Elisa – Exatamente. Passei por Estudos Artísticos e durante parte desse ano não fiz música. Desde logo não tinha como, não conhecia as pessoas de Lisboa. Estava sem expectativas nenhumas em relação a isso, até já me estava a resignar a não fazer música de todo, já estava a fazer a minha vida toda à volta do curso de Estudos Artísticos e a pensar: não me importo muito, vou ficar atrás das câmaras, está tudo bem.
Pensava em fazer música só nos tempos livres? Ou nem isso?
Elisa – Nem isso… não ter passado na primeira audição da Escola Superior de Música foi uma coisa que me deixou muito em baixo. Pensei mesmo em desistir [riso curto e nervoso]. Quando entrei na Faculdade de Letras [da Universidade de Lisboa] foi sem grande esperança de vir a fazer música. A verdade é que o universo arranja formas quando quer que as coisas aconteçam.
Foi um acaso muito feliz, que já contei publicamente: estava numa jam session e não conhecia ninguém. Decidi cantar um tema e no final veio uma rapariga, a Tainá, que lançou o seu álbum há uns meses e que me disse que estava a gravar esse mesmo álbum nos The Great Dane Studios [estúdios de música em Paço de Arcos]. Disse-me para passar por lá para conhecer a equipa. Aceitei, disso logo que sim, também não tinha nada a perder [sorri]. A verdade é que eles são incríveis, foram todos uns queridos. Ouviram, gostaram de mim, eu gostei deles, quiseram trabalhar comigo e foi a partir daí que as coisas começaram a ter outro rumo e começou-se a traçar um caminho na música que eu de todo não sabia que ia acontecer. Nada fazia prever que isto acontecesse. Depois acontece a Marta [sorri].
Foi isso que a fez acreditar mais que podia ter um percurso na música?
Elisa – Deu-me desde logo imensa força para voltar a fazer a audição para a ESML [Escola Superior de Música de Lisboa]. Lá fui eu… nem contei a ninguém, só disse aos meus pais que queria fazer as audições outra vez, porque precisava de dinheiro [risos]. A minha mãe encoraja-me sempre muito, diz-me ‘vai filha, tu consegues!’. O meu pai já diz mais: ‘tu consegues mas vamos ter os pés bem assentes na terra, pensa bem no que estás a fazer’. Apoia-me, claro, só não quer que eu me magoe. Fiz a audição e agora sim entrei, estou na ESML. É mais uma força para seguir música. Quando pensava que estava tudo a desmoronar parece que acontece alguma coisa que me diz: não, tu consegues, vai, força. Isto tudo deu-me imensa esperança.

▲ Elisa a cantar na final do Festival da Canção 2020, no palco do Coliseu Comendador Rondão de Almeida, em Elvas (@ ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR)
ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR
Esse momento de quase desistência não foi assim há tanto tempo. As coisas aceleraram muito rápido…
Elisa – Aceleraram super rápido. Se me tivessem perguntado há um ano ‘Elisa, achas que vais fazer música?’, eu ia responder: ‘Não’. Se me perguntassem ‘vais ganhar o Festival da Canção’, diria que não. Agora na Great Dane também deram-me oportunidade e força para começar a escrever. Acreditaram em mim e parece que afinal adoro escrever.
Vamos assistir a um percurso de composição posterior a esta ida à Eurovisão?
Elisa – Espero que sim. Ainda por cima agora tenho a ajuda da Marta, que escreve tão bem, pode sempre ajudar-me…
Marta Carvalho [a olhar para Elisa] – Também escreves muito bem…
Elisa – Um momento ternurento!
Também participou no programa “Ídolos”, pelo que li. Como foi essa experiência e quando foi, Elisa?
Elisa – Foi em 2015, se não me engano. Tinha 15 anos, ia fazer 16 esse ano. Foi mais uma vez por causa da minha mãe, que me inscreveu. Ela acredita sempre muito em mim, apoia-me imenso. Fui para Lisboa sozinha, ela não podia porque estava a trabalhar, portanto tive de enfrentar os castings sozinha, passar aquelas horas todas… Mas não estava com muitas expectativas, achava que não ia correr bem, que a minha mãe estava só a gastar dinheiro — mas também não me importava porque estava a faltar às aulas do 10º ano [risos]. Lá fui passando as fases e cheguei ao top 20, à fase antes das galas. Aquilo deu-me uma força enorme…
Para acreditar num futuro na música?
Elisa – Sim, porque aquilo tinha muita projeção. Na Madeira, pelo menos vejo isso na minha família e nas famílias dos meus amigos, adoramos ver os concursos televisivos. Também não contei a ninguém que ia ao “Ídolos” — sou sempre assim, faço as coisas e nunca digo nada, só falo das coisas depois de acontecerem — mas lembro-me de ver os meus amigos todos super entusiasmados, deram-me um grande apoio. Muitas pessoas que não conhecia começaram a contactar-me para fazer mais concertos, também. Depois de ter saído do “Ídolos”, aproveitei essa projeção para prosseguir: comecei a dar os meus concertos, comecei a ter mais experiência de palco. Foi uma experiência muito positiva, apesar de todos os stresses e de ser muito nova na altura e não ter bem a noção das coisas. Os outros concorrentes foram todos muito queridos e ainda temos um grupo [nas redes sociais], quando souberam que eu ia ao Festival da Canção mandaram todos uma mensagem para esse grupo a dar-me os parabéns.
Quando a Marta Carvalho a convida para interpretar um tema no Festival da Canção, qual foi a sua primeira reação?
Elisa – Lembro-me que nesse dia a equipa de management do Great Dane Studios tinha-me chamado ao estúdio para ter uma reunião, mas não me disseram sobre o que era. Lembro-me de ter-me queixado e de ter pensado: porque é que não me dizem as coisas pelo telemóvel? Porque é que tenho de estar a apanhar um comboio e ir para lá? [risos] Não estava muito feliz com ter de sair de casa mas lá fui e encontrei a Marta. Contou-me que tinha sido convidada para compor para o Festival da Canção e fiquei super feliz por ela. Disse-lhe: ‘nem acredito, tão fixe, tão novinha e já vais para o Festival, vai com tudo, dá-lhe’.
Marta Carvalho – É, achou que a chamei só para a informar de que ia participar. ‘Olha, sou compositora. Agora podes ir embora..’ [risos]
Elisa – Não era bem assim, mas eu pensava mesmo que era para me dizer: apareceu isto. Depois ela diz-me: eu queria que fosses tu a intérprete. Respondi-lhe: sim, Marta, eu a intérprete, vai mesmo acontecer… Ela põe uma cara super séria e diz-me: estou a falar muito a sério. Aí é que me caiu a ficha, a perceber que era mesmo a sério. Perguntaram-me se aceitava e eu respondi: ‘há como não aceitar? É só o Festival da Canção!”
Marta Carvalho – Não a conhecia assim tão bem, ainda. Não sabia se iria aceitar ou não, se gostava disto ou não, porque há pessoas que não gostam do Festival da Canção. A verdade é que ela aceitou logo e depois falámos as duas ao telefone com mais calma. Foi lindo, parece que tinha de acontecer. Agora temos uma amizade tão linda, de certeza para a vida.
Uma última pergunta para ambas: a reação das pessoas à canção varia sempre de pessoa para pessoa e já foge um pouco ao vosso controlo. O que é que gostavam que as pessoas sentissem ao ouvir a canção? O que gostavam que as pessoas retirassem da canção?
Marta Carvalho – Como disse antes, esta canção veio de experiências de ambas. Estamos apenas a contar a nossa verdade. A partir do momento em que somos honestas, é muito mais fácil tocarmos as pessoas. Ao ouvirem a canção e perceberem que é genuína, as pessoas naturalmente adaptam-na às suas vidas. Tenho recebido imensas mensagens de pessoas a agradecer-me por esta canção existir, quando deveriam agradecer às duas, porque se a Elisa não existisse esta canção também não existiria. A letra foi inspirada nas experiências das duas, portanto tivemos mesmo de estar juntas nisto. Agora, por muito cliché que isto soe, a canção deixou de ser nossa. Está cá fora, as pessoas pegam naquilo e associam à vida delas. Isso é a parte mais bonita da música e da arte em geral: cada um poder ter a sua interpretação e pegar no que de bom aquilo tem para si mesmo.
Elisa – Exato. Saber que agora somos a banda sonora da vida de alguém, saber que existem pessoas que ouvem a canção, emocionam-se… ou ouvem a música e não gostam, não se emocionam. Tudo é bom. É sempre bom ter reações à música que fazemos.
Marta Carvalho – Esta música também fala de uma fase da vida pela qual toda a gente passa. Há pessoas que ainda não passaram, há pessoas que já a passaram mas estão muito mais à frente… mas toda a gente em alguma altura da vida sente um medo de arriscar por causa de coisas do passado. Se calhar quem se liga menos à música e principalmente à letra será porque ou ainda não viveu isso, ou porque é algo que já deixou muito no passado. Depois há outras pessoas que sentem isso de forma muito pesada. Tive imensas pessoas a contar-me histórias das suas vidas relacionadas com a canção. Se a canção tocou ouvintes dessa forma, a missão está mais do que cumprida. Ganhou a canção.