Em Março, em reação à situação trágica vivida em Itália, e preocupados com a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde, o governo decidiu o fecho das escolas, o Presidente da República declarou o Estado de Emergência e o país entrou em confinamento (lockdown). Estas medidas foram na altura justificadas pela necessidade de achatamento da curva de contaminação, com o objectivo de diminuir o número de doentes a necessitar de hospitalização e acesso a Unidades de Cuidados Intensivos (particularmente de ventiladores) e evitar o ruptura de capacidade crítica do SNS na primeira fase da exposição do país à epidemia. O elevado custo económico a pagar por esta diminuição súbita das interações sociais (lockdown), necessária para conter a difusão do vírus, levou desde o início a assumir que estas medidas seriam temporárias. O economista Sérgio Rebelo e os seus coautores, demonstram que do ponto de vista da eficiência económica, faz sentido ajustar o nível de contenção nas interações económicas à taxa de contaminação observada em cada momento do tempo, justificando dessa forma as propostas de diversos especialistas apontando um  confinamento intermitente.

Não podemos porém esquecer que a manutenção de um elevado grau de incerteza no que concerne as medidas de contenção, por si só, tem um impacto pernicioso na actividade económica. Esta incerteza condiciona as decisões de consumo, poupança e investimento por parte das famílias e das empresas. Convém, sempre que possível, mitigar este efeito, tornando a duração e as características das medidas de contenção previsíveis. Seria ideal preparar o retorno à actividade económica, apresentando um calendário claro e concreto para a reabertura dos vários sectores e subsectores da economia Portuguesa. Este calendário indicaria as condições em que cada um deles terá de operar de forma a limitar o risco de contaminação. Este pré- anuncio permitirá aos agentes económicos enquadrar as suas decisões futuras e contribuirá para a retoma económica. A incerteza quanto ao timing e condições em que as empresas vão voltar a operar e os trabalhadores a trabalhar é um factor de travagem do consumo e do investimento. Se os trabalhadores anteciparem quando vão deixar de estar em layoff e quando se vai dar a retoma dos seus rendimentos, vão estar mais confortáveis em gastar parte das reservas que ainda tenham. E as empresas podem efetuar os investimentos necessários em novo equipamento para poderem produzir de acordo com as novas regras de distanciamento social.

Está claro que o sucesso de uma reabertura vai depender da capacidade em diferenciar a população em três grupos distintos (testing) e um subgrupo: o grupo de risco ou de indivíduos vulneráveis (idosos, co-morbilidades pré-existentes, dependentes). O primeiro grupo é o dos susceptíveis mas não infectados e não doentes , a maioria da população, que voltará à actividade com regras claras de distanciamento social dependente das suas tarefas, se utilizam ou não transportes públicos e onde consomem. O  segundo grupo, o dos infectados, assintomáticos ou doentes, uma vez identificado, ficará sujeito a isolamento (domicílio, hotéis, hospitais de campanha ou internamento e com critérios). O terceiro, o dos imunizados  poderia regressar à actividade sem restrições. Finalmente o subgrupo de risco que deverá manter-se em isolamento. Para um regresso económico prudente deixará de existir necessidade de quarentena, exceção feito no controlo das entradas no país (fronteiras) onde este deveria ser mandatório.

Para que essa diferenciação seja bem sucedida e confira a necessária segurança clínica, terá de assentar em dois pilares: testes (testing) e rastreamento (tracing).

Dois tipos de testes serão obrigatórios para todos os que regressam à actividade. Por um lado, testes de determinação da carga viral (PCR) de forma a detectar doença activa (infectados). Por outro, testes de imunidade específica (serológicos) para determinar o nível de proteção viral já adquirido – presença de anticorpos (imunizados). Assim se estabelece a qual dos três grupos cada um pertence. Estes testes estariam disponíveis em centros de saúde, nas próprias empresas (medicina do trabalho), farmácias, escolas, juntas de freguesia, centros de rastreio já montados. Os testes PCR deveriam ser repetidos de preferência várias vezes por semana para os elementos susceptíveis (dependo da capacidade). Ao terceiro grupo seria atribuído um certificado de imunidade, a renovar trimestralmente (ou mensalmente no caso de certos grupos como por exemplo os profissionais de saúde,  as forças de segurança e a proteção civil). Os infetados seriam mantidos em isolamento completo caso não necessitem internamento hospitalar, sendo libertos, como já é o caso, quando tenham dois testes negativos de carga viral. O grupo de risco manteria uma estratégia de quarentena com monitorização e acompanhamento seletivo.

O rastreamento (tracing) não se refere unicamente à avaliação dos contactos passados (nesta fase menos importante) mas sobretudo ao acompanhamento prospectivo dos três grupos identificados, estabelecendo uma estratégica de monitorização no terreno case-by-case. – um papel importante na contenção da taxa de infeções e diminuição do R epidemiológico (taxa de transmissão).

Por tudo isto e para proteger devidamente os susceptíveis quando estiverem a trabalhar e a consumir, será necessário preparar devidamente a reabertura: garantir que o stock de testes, de equipamento de proteção individual (máscaras, luvas, viseiras, fatos, álcool-gel) é suficiente para os próximos meses.

A produção em escala dos milhões de testes necessários vai ser desafiante, e o Estado vai ter uma palavra a dizer na mobilização de entidades públicas e privadas: laboratórios, Universidades, Institutos, unidades industriais. O desafio é crítico e pode com sucesso dotar o país de músculo industrial que já está em boa parte disponível. O Ministério da Saúde vai ter de desenvolver um centro logístico de distribuição e recolha de testes, montar e incentivar o estabelecimento de mais centros de processamento das amostras e processos de IT para manter e disponibilizar registos dos resultados para cada utente. Toda esta estrutura terá de ser bem planeada e controlada pela Direção Geral da Saúde.

Adicionalmente, seria ideal criar uma reserva estratégica de 6 a 8 semanas de stocks de material de proteção e testes mas igualmente reforçar a capacidade do SNS. Além, de se utilizar este período para medidas mais gerais como preparar os transportes públicos e os locais de trabalho para as novas regras de distanciamento social que vão estar em vigor. Vamos ter de nos preparar para atingir as condições necessárias para cumprir o calendário pré-estabelecido. Mas urge definir e calendarizar essa retoma.

Podemos diminuir os custos económicos da inatividade, apresentando um plano sustentável e credível de retorno ao trabalho e ao consumo. E aproveitar o tempo que temos para preparar as condições para que este plano seja possível.

Uma articulação atempada, transparente, planos objectivos e calendarização concreta garantirá segurança à população e confiança aos atores do tecido económico.

Tornar o entorno em que vivemos mais previsível e dissipar o nevoeiro de incerteza que nos rodeia vai permitir que a nossa retoma seja mais vigorosa.

Só uma saída clínica limpa (mais segura) permitirá uma saída económica mais robusta (confiança)!