O futebol é feito de números. Cada temporada tem centenas de golos, outras centenas de assistências, dezenas de vitórias e derrotas, inúmeros recordes. Há quem diga, com a sua quota parte de razão, que a estatística não faz o jogo e que os números não entram dentro de campo, não rematam, não correm, não fazem golos. Ainda assim, são os números que deixam clara a superioridade de uma equipa, o setor mais forte de um determinado conjunto ou o pormenor — ou pormaior — que fez a diferença em relação aos adversários.

O Benfica, que este sábado conquistou o 37.º título nacional do seu palmarés, não escapa a esta premissa. Bruno Lage chegou nos primeiros dias de janeiro para substituir Rui Vitória e abriu as portas a uma segunda metade de temporada particularmente vitoriosa, particularmente goleadora, particularmente decisiva. João Félix, no primeiro ano enquanto jogador de futebol profissional, bateu recordes de Eusébio e igualou feitos de Chalana. Rafa e Pizzi assinaram as melhores temporadas das respetivas carreiras e Seferovic foi de quarta opção no final do mercado de transferências do verão passado a melhor marcador da equipa no final da época.

A verdade é que os números da temporada 2018/19 do Benfica se fazem constantemente à volta de golos. Golos que começaram a aparecer, em larga escala, a partir do momento em que Rui Vitória deixa o comando técnico do clube da Luz e é substituído por Bruno Lage. Após o apito final do jogo deste sábado com o Santa Clara, o Benfica termina a Primeira Liga com 103 golos marcados: desses, 66 foram marcados na segunda volta do Campeonato. Mais: os encarnados são a equipa do principal escalão do futebol português com mais resultados positivos, 28 em 33 jogos, e fecharam a segunda volta com 17 vitórias e apenas um empate em 19 jogos realizados.

O Benfica mais goleador dos últimos 40 anos chegou ao top 5 da Europa (aos pés de Pizzi e Rafa)

Com os 103 golos marcados na última jornada ao Santa Clara, o Benfica alcançou aquele que era o melhor registo de golos de sempre no que diz respeito ao Campeonato. O recorde recuava até 1963/64, ano em que os encarnados foram campeões nacionais com mais seis pontos do que o FC Porto e também terminaram a época com 103 golos marcados — só Eusébio marcou 28 e José Torres contribuiu com mais 22. A segunda melhor marca remonta a 1972/73, quando os encarnados foram campeões com mais 18 pontos do que o Belenenses e marcaram 101 golos: Eusébio, sozinho, foi responsável por 40, conquistando a Bota de Ouro pela segunda vez (a primeira foi em 1967/68, quando marcou 42 golos, na edição inaugural do troféu). No passado domingo, quando venceu o Rio Ave em Vila do Conde por 2-3, o Benfica igualou aquela que era a terceira melhor marca de sempre do clube, 99 golos, alcançada pela primeira vez em 1946/47, temporada em que os encarnados até ficaram em segundo lugar, atrás do Sporting dos Cinco Violinos. O recorde absoluto de golos marcados numa só edição da Primeira Liga pertence precisamente ao Sporting de 1947 — os leões, comandados por Jesus Correia, Vasques, Travassos, Peyroteo e Albano, marcaram 123 golos ao longo de apenas 26 jornadas, terminando com uma média de mais de quatro golos por jogo.

Com Bruno Lage, o Benfica marcou mais de 60 golos na segunda volta do Campeonato

O técnico natural de Setúbal já é mesmo o treinador do Benfica com a maior percentagem de vitórias na Liga e chegou no passado sábado, ao vencer o Rio Ave, ao sexto jogo do Campeonato consecutivo a marcar três ou mais golos (…): destronando um recorde absoluto do clube já registado por ele próprio, esta temporada, quando os encarnados marcaram pelo menos três golos em cinco partidas seguidas. O Benfica beneficia não só da época bem sucedida de Seferovic, que confirmou o estatuto de melhor marcador da edição da Liga que agora terminou, com 23 golos, mas também do registo acima da média de outros quatro jogadores — além do suíço, Rafa contribuiu com 17 golos, João Félix com 15, Pizzi com 13 e Jonas com 11. Em comparação com as outras equipas que foram campeãs nas principais ligas europeias, a verdade é que o Benfica só encontra paralelo nesta democracia goleadora quando chegamos aos números do PSG e do Ajax.

Benfica fica à beira do top 3 dos melhores ataques de sempre – e pode ser campeão na próxima jornada

Em Espanha, por exemplo, o Barcelona só tem dois jogadores na lista dos melhores marcadores, ainda que ambos registem números fora do comum: Messi marcou 34 vezes e deve conquistar a Bota de Ouro pelo terceiro ano consecutivo, Suárez apontou 21 golos. Em Inglaterra, no caso do Manchester City, Agüero marcou 21 golos — menos um do que os recordistas em ex aequo Salah, Aubameyang e Mané — e Sterling marcou outros 17 mas depois disso só aparece Sané, com 10. Em Itália, os números são ainda mais surpreendentes, já que Cristiano Ronaldo marcou 21 golos pela Juventus e o segundo melhor marcador dos octocampeões, o croata Mario Mandzukic, marcou oito. A mesma história na Alemanha, onde Lewandowski apontou 22 golos pelo Bayern e o segundo mais goleador, Gnabry, marcou 10. A lógica muda, portanto, em França e no PSG (Mbappé marcou 30, 17 para Cavani, 15 para Neymar e 11 para Di María) e na Holanda e no Ajax (Tadic marcou 28, 16 para Ziyech, 16 para Huntelaar e 11 para Dolberg).

Ora, Rafa, o segundo melhor marcador do Benfica no Campeonato, chegou mesmo aos 21 golos esta temporada em todas as competições e tornou-se o primeiro português desde 2004/05 a marcar mais de 20 golos pelos encarnados numa única época. Na altura, Simão Sabrosa apontou 22 e juntou-se a uma lista que também inclui Rui Águas, João Vieira Pinto e Nuno Gomes. Também Pizzi, por sua vez o líder de assistências no conjunto orientado por Bruno Lage, com 19, realizou o ano mais concretizador da carreira, ao chegar aos 15 golos em todas as competições, 13 deles no Campeonato — o médio português é mesmo o segundo jogador mais influente da Liga, apenas suplantado pelos números impressionantes de Bruno Fernandes (tem 20 golos e 13 assistências).

Juntos, Seferovic, Pizzi e João Félix são responsáveis por 48 golos do Benfica na Liga

João Félix, terceiro melhor marcador do Benfica, somou recordes atrás de recordes desde que se estreou pela equipa principal dos encarnados — incluindo ter-se tornado o jogador mais jovem de sempre a marcar um hat-trick na Liga Europa — mas atingiu um marco particularmente especial. Desde 1977, há mais de 40 anos, que um jogador tão novo não marcava tanto no Campeonato com a camisola dos encarnados: nesse ano, entre os 17 e os 18 anos, Fernando Chalana marcou oito vezes e intrometeu-se na equipa dos crescidos que tinha Vítor Baptista, Nené, Diamantino e Toni. Além disso, Félix juntou-se a nomes como Isaías, Eusébio, João Alves, José Augusto, Santana, Salvador Martins e José Águas ao marcar nos dois primeiros dérbis que disputou com o Sporting (um para a Liga, outro para a Taça de Portugal), tornando-se ainda o segundo mais novo de sempre a fazê-lo (com 19 anos, dois meses e 25 dias, só foi suplantado por Guilherme Espírito Santo, que em 1937 o fez com 17 anos, cinco meses e 13 dias).

Rafa fez a melhor época da carreira: marcou 16 golos no Campeonato, 20 em todas as competições

Desde 2009, por intermédio do espanhol Jose Antonio Reyes, que ninguém marcava nos dois primeiros dérbis lisboetas que disputou — mas João Félix conseguiu fazer mais. Depois de marcar duas vezes ao Sporting, voltou a marcar em jogos grandes na visita ao FC Porto, anulando a vantagem azul e branca que Adrián tinha conquistado minutos antes e abrindo caminho para Rafa para fazer o golo da vitória já na segunda parte. Com três golos apontados a Sporting e FC Porto, o jovem médio ofensivo é mesmo o melhor marcador do Benfica em jogos grandes em 2018/19 e fez o que ninguém fazia desde Mitroglou em 2015/16 (marcar tanto aos leões como aos dragões) e Tiago em 2002/03 (marcar em casa dos dois principais rivais). Além disso, Félix conseguiu ainda ultrapassar estatisticamente Jonas, que em 12 dérbis e clássicos desde que chegou a Portugal, há cinco anos, leva apenas dois golos.

Ainda no que diz respeito aos jogos com os principais rivais, o Benfica termina a Liga com um saldo total francamente positivo: contra FC Porto, Sporting e Sp. Braga, os encarnados fizeram 16 pontos em 18 possíveis. Os dragões conquistaram sete (ou oito ou dez), os leões ganharam cinco (ou seis ou oito) e os minhotos só conseguiram três. O conjunto da Luz é ainda a equipa, de entre os quatro candidatos ao título, com a maior utilização regular de jogadores portugueses. Contra o Rio Ave, no passado domingo, Bruno Lage lançou sete portugueses no onze inicial; o FC Porto tinha dois contra o Nacional, o Sporting tinha um com o Tondela e o Sp. Braga atuou com seis frente ao Boavista. Números que se aliam, de forma natural, ao dado que indica que o Benfica é o clube que mais utiliza jogadores da formação (foram cinco em Vila do Conde: Rúben dias, Ferro, Florentino e João Félix de início e ainda Gedson enquanto suplente utilizado) e uma das equipas da Europa com a média de idades mais baixa. Com o Rio Ave, novamente, a média de idades ficava pelos 24,2 anos, nenhum jogador tinha mais do que 30 anos e seis não chegavam a ter 25.

Os miúdos do Benfica foram bater recordes ao Dragão