Antes do Mundial deviam ser poucos (ou nenhuns) aqueles que acreditavam que Fágner tivesse hipóteses de ser convocado para representar o Brasil no Mundial. Havia Dani Alves e havia Danilo, ambos a jogar em alguns dos melhores clubes da Europa — PSG e Manchester City, respetivamente. Agora, numa altura em que a competição chega aos quartos-de-final, Fágner é titular e indiscutível na lateral direita da defesa da seleção canarinha.
Nasceu há 29 anos, em São Paulo. A infância, vivida no bairro do Jardim Capelinha, não foi fácil. Não só por causa da violência, mas também por causa de um episódio que lhe podia ter tirado a vida quando tinha apenas seis anos. Estava a brincar com o irmão e um amigo quando foi contra uma porta de ferro e vidro. Um dos estilhaços provocou um corte profundo no braço, que ficou a sangrar abundantemente.
Estava brincando, eu, meu irmão e um amigo nosso. Era uma porta de ferro e tinha uns três blocos de vidro. Aquela brincadeira: ‘vou te pegar, vou te pegar, não sei o quê’… O nosso amigo trancou-se do lado de dentro e eu e o meu irmão ficamos do lado de fora. E aí a gente empurrando pelo ferro, e eu: ‘Agora vou abrir’. Criança, né? Vim correndo e, quando fui, fui direto no vidro. Quando ouviram o barulho, (a pele) estava pendurada, sangrando”, disse numa entrevista à ESPN Brasil
O amigo ainda tentou estancar a hemorragia e uma vizinha que era enfermeira também foi tentar ajudar, depois de ter ouvido o barulho do acidente. Mas Fágner tinha mesmo que ir ao hospital. Os pais foram buscá-lo e levaram-no para que fosse operado de urgência. No hospital, os médicos foram bastante claros em relação àquilo que podia ter acontecido: “Disseram ao meu pai que se tivesse chegado um pouco mais tarde, com a quantidade de sangue que estava a perder, teria morrido”, contou na mesma entrevista.
Depois da cirurgia, o jogador tinha dificuldade em esticar o braço e em mexer a mão, o que o levou novamente à sala de operações um ano depois: “Um ano depois, tive que refazer a cirurgia, porque o meu braço estava a encolher”. O pai, Calixto, vendeu o carro para poder pagar a segunda operação. Depois disso teve que ir a sessões de fisioterapia em Ibirapuera, a 16 quilómetros do Jardim Capelinha. Lá, Fágner diz que viu situações piores do que a dele: “Serviu para não desanimar e acreditar que não estava mal”.

No jogo dos oitavos-de-final, contra o México, Fágner voltou a ser titular na defesa do Brasil (Dan Mullan/Getty Images)
Algum tempo depois, quando tinha pouco menos de 10 anos, começou a jogar futebol e chegou às camadas jovens do Corinthians. Com 17 anos estreou-se na equipa principal e as boas exibições chamaram a atenção do PSV, clube para o qual se mudou aos 18 anos. A adaptação à Holanda não foi nada fácil e Fágner jogou apenas três jogos na primeira e única época que passou no país. Foi nesse momento que pediu ao PSV que o deixasse voltar ao Brasil, um pedido que o clube aceitou.
Em 2009 assinou pelo Vasco da Gama e no primeiro ano venceu a Serie B (segunda divisão) brasileira. No clube do Rio de Janeiro voltou a ganhar confiança e, mais uma vez, apareceram propostas da Europa. Desta vez foi o Wolfsburgo, da Alemanha, a chegar-se à frente e a adquirir o passe do defesa direito no ano de 2012. Começou bem mas voltou a perder gás e a solução encontrada foi um empréstimo ao Vasco da Gama. O regresso não correu como desejado e no ano seguinte voltou a ser emprestado, desta vez ao clube onde tudo tinha começado: o Corinthians. O acordo possibilitava a compra do passe no final da época e foi isso que o clube de São Paulo fez.

Nos três jogos em que Fágner participou nesta Mundial, o Brasil não sofreu ualquer golo. Ganhou sempre por 2-0: Costa Rica, Sérvia e México. (Buda Mendes/Getty Images)
Foi aí que conheceu Tite, o atual selecionador do Brasil. Juntos foram campeões no ano de 2015 e Fágner foi titular indiscutível. Em 2016, Tite foi treinar a seleção, mas o defesa direito continuou a ser um dos melhores a atuar no Brasil. Até já tinha sido convocado para a canarinha por Dunga mas nunca fora utilizado. Era uma questão de tempo, e a estreia chegou no dia 29 de março de 2017, quando Tite lhe deu os 90 minutos da vitória do Brasil por 3-0 sobre o Paraguai, num jogo de qualificação para o Mundial.
No entanto, continuava atrás de Dani Alves e Danilo na corrida à convocatória para a fase final da competição. Até que Dani Alves se lesionou e lhe abriu as portas da viagem até à Rússia. Soube da notícia em casa, junto da família, e a festa foi grande quando Tite anunciou o seu nome.
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No primeiro jogo, contra a Suíça, foi suplente e não saiu do banco, uma vez que Danilo era o natural dono do lugar na ausência de Dani Alves. Antes do jogo com a Costa Rica, também o defesa do Manchester City se lesionou e Fágner foi chamado para assumir o lado direito da defesa. E cumpriu. Nos três jogos que realizou — Costa Rica, Sérvia e México –, o Brasil não sofreu qualquer golo.