Título: Colégio Efanor, Paula Santos Arquitectura
Autores: Daniel Bessa, Nuno Grande e Paula Santos
Fotografia: John Connor, Nelson Garrido, Luís Ferreira Alves e Paula Santos
Editor: Fundação Belmiro de Azevedo
Design: FBA
Páginas: 128, ilustradas
Com tanta atenção às escolas por causa do nó de aço pandémico — olha, dizem agora que, afinal, não proibiram as aulas online!!… —, este “livro de arquitectura” que a Fundação Belmiro de Azevedo fez imprimir sobre o Colégio Efanor vem lembrar que, de facto, as escolas privadas (como os hospitais privados…) asseguram serviços de qualidade, arquitectura contemporânea especializada e investimento próprio consistente, muitas vezes em contraponto, até em situações de proximidade geográfica, a instituições estatais instaladas, na sua larga maioria, em edifícios que foram adaptados à função, são pessimamente climatizados, quando não velhos centenários ou quase. É nesta sua jóia da coroa, o Colégio Efanor — acrónimo de Empresa Fabril do Norte —, que a Fundação aplica a maior parte dos seus recursos, “e não são tão poucos como isso” (Bessa, pp. 14, 15), traduzindo na perfeição a altíssima obsessão do patriarca Azevedo com educação e mérito, para quem só desempenhos de excelência podiam diluir diferenças sociais e desencravar, numa metáfora adequada, o ascensor social para todos quantos tiveram “condições de nascimento eventualmente menos favoráveis” (p. 16).
Estamos, é certo, diante de uma realização inspirada na experiência de vida do seu mentor, tornada imagem de marca dum grupo empresarial bem sucedido, mas estamos também, como destaca o arquitecto, professor, curador e crítico do seu ofício Nuno Grande, perante a versão contemporânea duma atitude iniciada em 1925 pelo industrial Manuel Pinto de Azevedo (1874-1959), que à frente da fábrica que Delfim Pereira da Costa fundara em 1907 a ampliou até criar “uma nova urbanidade em Matosinhos”: junto à fábrica na Senhora da Hora foi construído um bairro operário e toda uma “pioneira assistência logística, educativa, médica e medicamentosa para todos os seus trabalhadores e familiares” (p. 19), incluindo um jardim-escola e uma creche, biblioteca, cooperativa de bens alimentares, recinto desportivo e até um corpo próprio de bombeiros (que a britânica Fábrica de Sacavém também teve). Belmiro de Azevedo (1938-2017) começou a sua vida profissional nesse ambiente em que indústria e filantropia reciprocamente se entreteciam como fios de algodão — seguindo tradição e princípios antigos, internacionalmente praticados —, e perante os estragos da globalização, que em finais dos anos 1980 empurrou para a ruína muitas indústrias têxteis na Europa, decidiu adquirir os terrenos da fábrica encerrada para ali projectar um programa pedagógico — e desportivo — dirigido aos mais pequenos, com creche, pré-escolar e primeiro ciclo, apoiado num projecto de arquitectura confiado a Paula Santos, inspirada pelas teorias do holandês Herman Hertzberger (1932-), que concebera, entre outros espaços congéneres, a Ludoteca Infantil dos jardins do Palácio de Cristal, do Porto.
O colégio foi organizado em dois pólos. O primeiro, inaugurado em 2008 — ainda em vida de Belmiro de Azevedo, portanto —, aproveita “sem concessões nostálgicas” os “elementos essenciais” e “as camadas históricas precedentes” do designado Edifício Social da velha fábrica (Grande, pp. 20, 21), acrescentando-lhe um corpo traseiro para completar as suas valências pedagógicas. Paula Santos deu-lhe mobiliário e artefactos coloridos, salas-corredor amplos (v. p. 34), máxima plasticidade funcional através de painéis móveis e paredes de correr, luz abundante dada por janelões e uma sinalética lúdica concebida — importa notá-lo — pelo designer Francisco Providência. Inclui uma horta pedagógica mas é, para todos os efeitos, uma requalificação. Já o segundo pólo, inaugurado em 2019, quase todo construído de raiz a apenas 300 m daquele e destinado a 700 alunos do segundo e terceiro ciclos do ensino básico (com pavilhão de jogos, auditório com 250 cadeiras, piscina de 25 m e uma escola de dança com dois estúdios), exibe o que de melhor a arquitectura contemporânea pode dar a um viver qualificado em idade precoce — com salas de aprendizagem e biblioteca como “grandes quadros abertos sobre o parque” (pp. 49, 87) —, tornando o tempo ali passado uma apetecível e estimulante benfeitoria quotidiana, e como tal, entre outras coisas, um forte antídoto contra o abandono escolar.


▲ Pormenores do livro de Daniel Bessa, Nuno Grande e Paula Santos
Uma ambiciosa visão pedagógica cosmopolita, debatida num fórum de pensadores, pretende que este segundo pólo do Colégio Efanor, impulsionado pela diferenciação volumétrica dos seus blocos, represente uma micro-cidade, mas seja também visto como “simulacro da sociedade contemporânea” no seu melhor, em que a arquitectura como política pretende fazer do bulício “urbano” (sic) facilitado por generosas áreas comuns — a sua “rua cívica” — do Colégio, pelo grande átrio como “praça de encontro” (Santos, p. 49) e pela abundante transparência interior-exterior um “motor de cidadania”, proporcionando “um contacto aberto e respeitoso com “o outro” e um diálogo permanente entre o indivíduo e o colectivo” (Grande, pp. 22, 24).
“A escola também é o lugar da estética”, escreve Paula Santos a p. 17. Betão aparente e bruto, gesso pintado, tijolo maciço, aço modelado, policarbonato translúcido, madeiras, vidro, brise-soleils, vinil, etc., formam a paleta dos recursos construtivos, enquanto a ocupação espacial interna é cromaticamente orientada. Um jogo elegante de várias formas, volumetrias e materialidades distingue claramente entre si os três corpos edificados deste Pólo II, e as suas funções específicas, ficando o pavilhão desportivo virado a uma rua contígua ao lote, o que o “torna acessível à comunidade fora dos horários de funcionamento do restante conjunto escolar” (p. 24), certamente uma decisão que teve em conta o especial apreço do fundador por desportos (“o espírito de verdadeiro desportista que não poderá deixar de caracterizar um verdadeiro empresário”; “também nisso o Eng. Belmiro de Azevedo quis que “o seu colégio”, o Colégio por si instituído, se distinguisse” (Bessa, pp. 13, 15)).
Nuno Grande fala mesmo de uma “nova centralidade” em Matosinhos, um “possível embrião da cidade”, mas submete-a ao crivo do futuro, “sendo necessário estabelecer uma articulação clara entre os seus Pólos I e II, através de circuitos urbanos qualificados por espaços públicos, pedonais e ajardinados, que evitem ainda o excessivo fechamento condominial dos futuros residentes em relação à envolvente” (p. 25). Além disso, dá para perceber que falta ainda considerável investimento numa envolvente arbórea endémica e variada, de pequeno, médio e grande porte, capaz de tornar colégios como este um modelo para construções escolares de nova geração, aproveitando verdadeiramente os bons arquitectos que temos.