Foi um dos hospitais do SNS apontados como tendo um entendimento diferente em relação aos demais no que diz respeito à vacinação. O Hospital de São João, no Porto, foi notícia em inícios de janeiro por ter decidido que iria vacinar todos os seus funcionários – incluindo pessoal não médico, como financeiros ou trabalhadores dos recursos humanos – antes do resto da população. A justificação para esta decisão era a de que “trabalhar dentro de um hospital é um risco acrescido”, como disse ao Observador na altura fonte oficial da unidade hospitalar.
Mas as coisas mudaram. Agora, o hospital diz que não está a fazer — nem pretende fazer — a vacinação nestes termos. O Hospital de São João afirmou esta sexta-feira – quase um mês depois das notícias iniciais e depois de múltiplas notícias sobre falhas, batota na vacinação e entendimentos contraditórios sobre as prioridades – que nunca quis vacinar os seus funcionários não prioritários antes do resto da população.
Hospital de São João vai vacinar funcionários não prioritários antes da maioria da população
O esclarecimento do Hospital de São João também surge um dia depois de o Observador ter noticiado que o grupo privado Luz Saúde tinha vacinado ou estava prestes a vacinar todos os seus funcionários – incluindo administradores – dos hospitais Beatriz Ângelo, em Loures, e do Hospital da Luz, em Lisboa. O entendimento da CEO do grupo, Isabel Vaz, era o de que “todos os funcionários dos hospitais são críticos” para o funcionamento das unidades, pelo que devem ser prioritários e vacinados na primeira fase. O Plano de Vacinação aprovado pelo Governo indica que os prioritários em primeira fase são apenas os profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes e os utentes e funcionários de lares de idosos e unidades de cuidados continuados.
Em janeiro, quando confirmou ao Observador que vacinaria todos os funcionários ainda naquele mês, o hospital portuense – uma das unidades de referência no atendimento de doentes com Covid-19 – surgia no extremo oposto do entendimento do hospital de Santa Maria, em Lisboa. Daniel Ferro, administrador do Centro Hospitalar Lisboa Norte (que inclui o Santa Maria), afastou logo em dezembro (e depois em janeiro) a hipótese de vir a ser vacinado como prioritário.
“Eu só serei vacinado de acordo com os critérios previstos no plano de vacinação. Eu trabalho num hospital mas não sou profissional de saúde. Só na 2.ª ou na 3.ª fase é que serei vacinado, em função do que vier a ser o plano de vacinação, porque tenho algumas patologias, mas não sei se me situam na 2.ª fase ou na 3.ª fase. É aí que serei vacinado. Nem antes nem depois”, respondeu o responsável ao Observador a 15 de Dezembro, 12 dias antes de ter começado a vacinação. Daniel Ferro acabaria por reforçar essa posição já em janeiro, à Rádio Observador.
Presidente do Hospital de Santa Maria: “Temos mais de cem profissionais infetados neste momento”
Como o Hospital de São João mudou no espaço de um mês
Quando, em janeiro, o Observador iniciou o trabalho sobre a estratégia de vacinação do Hospital de São João, no Porto, foram trocadas várias mensagens com a assessoria de comunicação da unidade hospitalar. Na última e definitiva, fonte oficial do São João sintetizava assim o plano: “Com as vacinas que serão administradas durante o dia de hoje [6 de janeiro], teremos vacinado 4.058 profissionais do CHUSJ. Tal corresponde a cerca de dois terços dos profissionais, incluindo a generalidade dos que prestam cuidados diretos a utentes e que não tinham tido anteriormente a doença. Na próxima fase, serão incluídos os profissionais de áreas não clínicas (serviços de aprovisionamento, instalações e equipamentos, recursos humanos, financeiros,…), bem como os que já tiveram a doença e que pretendem ser vacinados”.
Ou seja, o hospital admitia que tencionava vacinar os profissionais de áreas não clínicas na leva seguinte de vacinas que chegasse à unidade. Fonte oficial garantia também que as vacinas para estes trabalhadores estão previstas no número de doses que o centro hospitalar vai receber, reafirmando que o objetivo é vacinar todos aqueles que trabalham no espaço do hospital, independentemente das suas funções.
E explicava que a leva seguinte de vacinas deveria chegar ainda antes de os primeiros profissionais receberem a segunda dose do medicamento, sem a qual a vacinação não fica completa — ou seja, ainda em janeiro.

▲ São João diz que pretende vacinar todo o universo de cerca de 6.400 profissionais, mas “cumprindo estritamente com as orientações" da DGS
ESTELA SILVA/LUSA
O plano do Hospital de São João mereceu logo críticas do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. “Não consigo entender que se vacine um financeiro antes de outras pessoas, quando sabemos, por exemplo, que o maior risco de letalidade na Covid-19 é o fator idade. O hospital é um local de risco? E um centro comercial? Qual dos dois será um maior local de risco?”, questionou Miguel Guimarães, dizendo que são perguntas a que a task force criada para gerir o plano de vacinação devia responder.
Na altura, e desde então, o Hospital de São João nunca esclareceu que não era isso que pretendia fazer. Fê-lo esta sexta-feira, após novo conjunto de perguntas do Observador.
“De acordo com o plano de vacinação, só na fase III serão incluídos os profissionais de áreas não clínicas (serviços de aprovisionamento, instalações e equipamentos, recursos humanos, informáticos, financeiros, membros do conselho de administração), bem como os que já tiveram a doença e que pretendem ser vacinados”, respondeu a mesma fonte oficial da unidade.
O hospital reafirmou ainda que “pretende vacinar todo o universo de cerca de 6.400 profissionais” (dos quais já estão vacinados cerca de 4.100), mas sublinhando que o fará “cumprindo estritamente com as orientações, as prioridades e o calendário definido pela DGS”.
E sobre os administradores, também veio agora especificar a estratégia: “Acrescenta-se ainda que nenhum membro do Conselho de Administração foi vacinado. Nem a própria diretora clínica, que é médica da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos, trabalhando semanalmente numa das unidades consideradas prioritárias pela DGS e que realiza Transporte Inter-Hospitalar Pediátrico, também atividade considerada prioritária pela DGS”.
“Os membros do Conselho de Administração apenas serão vacinados após todos os profissionais da instituição que o pretendem fazer tiverem sido vacinados, o que somente deve ocorrer na fase III do Plano de Vacinação, ou seja, com a população em geral”, acrescentam.
Contradição ou mudança de estratégia? São João diz que nem uma nem outra
Face a esta resposta, o Observador enviou novo conjunto de perguntas. O Hospital de São João respondeu apenas a algumas. E, sobretudo, fez questão de afirmar que não houve qualquer alteração na estratégia de vacinação.
“O Centro Hospitalar Universitário de São João nunca alterou a sua estratégia em termos de vacinação”, respondeu fonte oficial. E continua a querer “vacinar todos os seus profissionais, no sentido de aumentar a segurança dos seus colaboradores, mas também da própria comunidade hospitalar e nesse sentido dos doentes. Este intuito mantém-se perfeitamente válido”.

▲ Hospital garante que “nunca alterou a sua estratégia em termos de vacinação”
JOSE COELHO/LUSA
Mas agora especifica que, “de acordo com o plano de vacinação, o mesmo será atingido por fases, começando com os prioritários, ou seja, os que prestam cuidados diretos aos doentes. Neste grupo estão incluídos cerca de 4.500 profissionais (dos mais de 6.400 que trabalham no hospital), dos quais já foram vacinados com as duas doses cerca de 4.100”.
Explica também o facto de entre 6 de janeiro e 5 de fevereiro o número de vacinados ter aumentado apenas de 4.058 para cerca de 4.100, uma diferença de 42 pessoas. “Em janeiro os profissionais referidos correspondiam aos que tinham recebido a primeira dose e agora o valor corresponde já aos que receberam as duas doses (a diferença de número é devido ao aproveitamento de doses, de profissionais que ficaram infetados entre as 2 tomas e que de acordo com a norma da DGS não necessitam de realizar a segunda dose, o que foi aproveitada para vacinar outros profissionais)”.
Em suma, afirmou ao Observador a mesma fonte oficial, o Hospital de São João considera agora – quase um mês depois da notícia original – que foi “mal interpretado” quando disse que pretendia vacinar os seus funcionários não prioritários antes da Fase III, destinada à população em geral.