É uma casa de chapa azul com duas varandas, um jardim de arbustos em redor e um lago com uma mesa de piquenique. Lá dentro, uma pequena cozinha, duas salas com mesas redondas — há uma caixa de lenços e uma taça de vidro em cima delas —, sofás brancos, tapetes no chão e uma cama de solteiro encostada à parede, ornamentada com quadros abstratos e de natureza morta.
É nesta vivenda da Dignitas em Pfaeffikon, nos arredores da cidade suíça de Zurique, que dezenas de pessoas de todo o mundo passaram as últimas horas da sua vida. As estatísticas da organização dizem que houve 256 suicídios assistidos e praticados pela Dignitas só no ano passado — um número recorde, 43 vezes superior ao registado em 1998, quando a sociedade foi criada.
Desde então, 3.027 pessoas escolheram a Dignitas para terminar uma vida que consideravam ser de sofrimento insuportável. Sete delas eram portuguesas. O primeiro caso vindo de Portugal registou-se em 2009, houve mais dois em 2012, outro em 2014 e um por ano desde 2017. Os clientes portugueses perfazem 0,23% de todos os casos registados na Dignitas. A maior parte dos clientes — 43,67% — são alemães.

Ao contrário do que se pensa, as quatro paredes desta casa azul não servem para a prática da eutanásia porque ela é proibida no Código Penal da Suíça e punida com até três anos de prisão. Mas o artigo 115 só considera ilegais os casos de suicídio assistido que acontecem por “motivos egoístas”. E o que a Dignitas faz, defende a organização, acontece “para viver e para morrer com dignidade”, escapando à condenação.
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Morrer na Dignitas custa mais de 9.600 euros
Quando alguém pretende solicitar um serviço de morte assistida à Dignitas, tem de enviar uma carta para a sede da organização com os motivos que a levaram àquela decisão e uma descrição do estado físico em que se encontra. E, além dos relatórios médicos mais atualizados que tenha, deve também enviar um texto biográfico sobre a infância, a vida escolar, a situação familiar e os eventos mais importantes da sua vida.
O processo é depois analisado por uma equipa de médicos que trabalha com a Dignitas. Só são aceites os clientes com “uma doença terminal que leve à morte”, “uma deficiência incapacitante e insustentável” ou que sinta “uma dor insuportável e incontrolável”. Além disso, tem de ser membro da Dignitas, ter “bom senso” e “um nível mínimo de mobilidade física, suficiente para auto-administrar a droga” que a vai matar.
As despesas começam aqui. Qualquer adulto pode tornar-se membro da Dignitas, mesmo que não tenha intenção de fazer uso dos serviços que a organização usa e queira apenas voluntariar-se para, por exemplo, acompanhar os casos de morte assistida. Isso tem um custo anual de 80 francos ou 75 euros. A inscrição única, que serve para solicitar o serviço, custa 200 francos ou 188 euros.
A Dignitas cobra 4.000 francos suíços, o equivalente a 3.766 euros, para analisar cada processo — um valor que não garante a execução do processo, mas apenas que o caso vai ser analisado pelos especialistas da organização. Mesmo que o caso receba aquilo que a instituição chama “luz verde provisória”, o paciente precisa de ser consultado presencialmente duas vezes pelos médicos da Dignitas para que a candidatura possa chegar a uma “luz verde definitiva”.

As duas consultas, que incluem um aconselhamento sobre os cuidados paliativos possíveis para cada caso, e a prescrição da droga letal custam 1.000 francos suíços ou 942 euros. Os clientes suíços podem passar por todo o procedimento em casa. Mas os estrangeiros são obrigatoriamente alojados num apartamento da Dignitas. Caso queiram ser acompanhados por um familiar ou amigo no momento da morte, a organização pede mais 2.500 francos suíços, o equivalente a 2.354 euros.
O procedimento não termina com a morte do paciente. E os custos também não. A cremação do corpo — um procedimento que não é obrigatório, mas é aconselhado na Suíça e facilita o envio dos restos mortais para o país de origem — custa mais 2.500 francos suíços, um valor que já engloba as despesas com as autoridades suíças e a transferência das cinzas.
Todo o processo na Dignitas, desde o momento da requisição até ao envio dos restos mortais para o país de origem, demora três a quatro meses e custa pelo menos 9.604 euros, sem incluir impostos nem custos adicionais como, por exemplo, os bilhetes de avião para Zurique. Este valor é pago por partes, explica a Dignitas. E pode ser ajustado, ou até mesmo dispensado, caso o cliente tenha dificuldades económicas.

A administração de uma droga letal
Tudo acontece ao ritmo do cliente. Primeiro, um funcionário da Dignitas transporta o medicamento até ao local onde a morte assistido vai acontecer, à data e hora combinadas anteriormente com o cliente. Em circunstância alguma é possível que o produto seja entregue diretamente ao cliente após as consultas com o médico.
Quando estiver pronto para iniciar o processo, o cliente toma uma dose de uma droga letal e, logo a seguir, alguma bebida ou comida doce para disfarçar o mau sabor do narcótico.
Trata-se de um sedativo que induz o sono e inibe o funcionamento dos músculos que não são controlados voluntariamente, como os envolvidos na respiração, circulação e metabolismo. Pouco depois de ser consumido, o paciente adormece e, ao fim de três a cinco minutos, entra em coma. A seguir, o sistema respiratório paralisa e o doente morre. Sempre sem dor nem hipótese de sobrevivência.
Tudo isto tem de acontecer pelas mãos do próprio cliente, sublinha a Dignitas. Nem o médico, nem o acompanhante do doente pode interferir de alguma forma no processo porque, se assim fosse, estar-se-ia a praticar a eutanásia — que é ilegal, na Suíça. Se o paciente não puder engolir, pode injetar a droga através de um tubo gástrico. Caso não consiga manusear o tubo, a droga pode ser administrada pelo próprio de forma intravenosa.

A organização que quer “desaparecer”
Contactada pelo Observador sobre o atual debate português em torno da morte assistida, a Dignitas diz preferir “deixar para os portugueses o comentário às propostas de lei” que serão votadas esta quinta-feira no Parlamento.
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Questionada sobre se o tema deve ser decidido em sede parlamentar ou levado a referendo, a associação também não responde, mas sublinha: “Os políticos são os representantes da população, eleitos por ela”. Depois, recordou a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre o caso que envolvia a Dignitas: “O Tribunal reconheceu e confirmou o direito de escolher e o direito e liberdade de morrer. Esta decisão também se aplica a Portugal”.
O principal objetivo da Dignitas, admite a própria, é “desaparecer, deixar de existir”: “Porque as pessoas podem fazer as suas escolhas de final de vida em casa, receber os melhores cuidados paliativos e não precisam de uma associação como a Dignitas”, descreveu a organização.

Mas esse dia está longe de chegar, acredita a sociedade. Há quatro motivos que mantêm de pé as organizações como a Dignitas: “O enorme problema do alto número de suicídios ‘clandestinos’ e o número ainda maior de tentativas de suicídio sem sucesso” é uma delas, descreve no e-mail enviado ao Observador. Mas há outros como os custos da saúde em crescendo, o envelhecimento da população — “quem é que vai cuidar dos mais velhos?”, questiona a Dignitas — e aquilo a que organização chama de “questão de poder”: “Quem decide sobre quem? Os políticos ou a Igreja sobre os cidadãos ou os cidadãos por si mesmos? De quem é a vida afinal?”, interroga.
Apesar destas preocupações, ao Observador a Dignitas garante que “o principal trabalho não é o suicídio assistido, mas a prevenção do suicídio no sentido mais amplo do termo”: “Todos os dias, há pessoas a entrar em contacto com a Dignitas para pedir conselhos e orientações. Algumas só precisam de alguém com quem conversar, outras precisam de conselhos sobre questões de direitos do paciente, algumas enfrentam uma doença grave e são apoiados para receber cuidados paliativos; e alguns são médicos que perguntam como podem ajudar seus pacientes”, descreve.
Exit pede mil euros por inscrição vitalícia
Fica em Genebra, também na Suíça, a mais antiga organização com serviços de morte assistida do mundo. Chama-se Exit, tem 25 mil membros e foi criada em 1982. Aqui, todos os funcionários recebem formação ao longo de um ano para estarem habilitados a acompanhar os casos de doentes terminais que solicitam este tipo de serviço.
À semelhança do que acontece na Dignitas, a organização também oferece aconselhamento legal, redação de testamentos vitais, prevenção do suicídio e cuidados paliativos. Todos os serviços são gratuitos para os membros, que pagam 45 francos suíços por ano (o equivalente a 42 euros) ou 1.100 francos suíços (por volta de 1.000 euros) por uma inscrição vitalícia. Mas, ao contrário da Dignitas, a Exit só oferece estes serviços a quem for cidadão ou residente permanente na Suíça.
Eis como tudo acontece. Primeiro, o paciente ou alguém em representação dele deve dirigir-se aos escritórios da Exit em Zurique para iniciar o processo. Depois, o paciente deve enviar para a associação um relatório médico, um certificado de que está na plenitude das suas faculdades mentais e quaisquer outros documentos que considere importantes para o processo.

Após ter analisado todos esses documentos, um funcionário da Exit visitará o doente para uma entrevista em pessoa. Este encontro servirá para informar o paciente dos cuidados palitivos de que pode gozar e para esclarecer quaisquer dúvidas que possa ter. Se o doente reiterar a sua vontade de ser submetido a uma morte assistida, a Exit pedirá a um médico a prescrição de uma droga letal, tal como na Dignitas.
Depois disso, a Exit combina com o paciente uma data para o procedimento. Nesse dia, um funcionário leva o narcótico até ao local combinado com o doente, que pode cancelar a solicitação a qualquer momento. Para obedecer à lei, é necessário que o doente consiga, de forma independente, administrar a droga — seja bebendo, introduzindo num tubo gástrico ou injetando. A Exit chama a este fim uma “morte extraordinária”.
Só pode ser aceite para a morte assistida “quem souber o que está a fazer, não agir por impulso, tenha um desejo persistente de morrer, não esteja sob a influência de terceiros e quem esteja capaz de cometer suicídio pelas próprias mãos”, descreve a Exit. Além disso, a organização só aceita “quem tem um prognóstico sem esperança, tenha sintomas insuportáveis ou tenha uma deficiência inaceitável”.