Dia atípico na campanha de André Ventura. O líder e candidato do Chega começou a tarde com um comício em Aveiro praticamente vazio e acabou a noite em Coimbra a enfrentar uma manifestação anti-Ventura à pinha — a maior manifestação contra a candidatura de Ventura em dez dias de campanha — e uma comitiva pela primeira vez em número inferior ao dos manifestantes.
Depois de um jantar-comício em Braga cheio de apoiantes e de uma prova impressionante de capacidade de mobilização em Leça da Palmeira, com um comício drive-in com mais de 150 carros, cerca de 450 pessoas, Ventura jogou pela primeira vez nesta campanha num campo inclinado contra ele. E os resultados não foram famosos para a equipa Chega.
Mas nem por isso deixou de trazer novidades para a campanha. Depois de ter dito que queria ficar à frente de Ana Gomes, depois de corrigido para dizer que queria, afinal, superar a esquerda toda junta, até acabar a dizer que queria efetivamente forçar Marcelo Rebelo de Sousa a uma segunda volta, Ventura fixou finalmente um número: 22%, sensivelmente o dobro do que as sondagens lhe dão neste momento.

.
Apesar das palavras de Ventura, a aritmética do candidato não é exatamente uma ciência exata. Na comitiva restrita do líder do Chega a fasquia é ligeiramente mais baixa e estima-se que consiga ter entre 15 a 20%. É essa a aposta que corre.
Essencialmente por um motivo: a abstenção. Os mais próximos de André Ventura acreditam que a mobilização dos que querem efetivamente votar no candidato do Chega é grande e que o contexto pandémico (e, eventualmente, até meteorológico) será um handicap para os adversários de Ventura.
Ficar em segundo lugar, isso, é praticamente um dado adquirido para a campanha do candidato apoiado pelo Chega — mesmo que as sondagens não deem essa segurança. Fazer melhor do que António Sampaio da Nóvoa há cinco anos, quando ficou em segundo com quase 23%, seria a cereja no topo do bolo. “Não é impossível”, comentou fonte do Chega com o Observador.


JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ao contrário do antigo reitor, Ana Gomes não tem o verdadeiro aparelho do PS a seu lado. Marisa Matias não está com a mesma força que tinha nas primeiras presidenciais a que concorreu. João Ferreira é melhor do que Edgar Silva, mas o PCP está em queda. A mobilização do eleitorado de esquerda será, acreditam, menor. Esses votos dificilmente irão para a Ventura, mas se não forem para a esquerda devem engrossar a abstenção. E com isso a percentagem do líder do Chega sobe.
A incógnita é Marcelo e a capacidade de Ventura de agregar a direita que não se revê no atual Presidente da República. Historicamente, o Chefe de Estado em funções consegue renovar o mandato e crescer face à última eleição. Com Marcelo não será diferente, concedem os mais próximos de Ventura. Resta saber se Marcelo cresce para números estratosféricos, o que prejudicaria as ambições do líder do Chega, se para números mais modestos, o que poderia significar um bom resultado para Ventura.

.
As contas de Ventura podem falhar se o efeito-bolha estiver a toldar leituras políticas e a insuflar artificialmente as expectativas. Dez dias em caravana por todo o país, rodeado dos mesmos conselheiros e dos mesmos conselhos, podem levar a precipitações. E se é verdade que Ventura tem apostado os últimos dias num claro piscar de olho ao eleitorado mais à direita para alargar a sua base de apoio, o resultado dessa estratégia só será verdadeiramente conhecido a 24 de janeiro.
O décimo dia de campanha, no entanto, não correu de feição ao candidato. Em Coimbra, em frente ao Mosteiro de Santa Cruz, a candidatura de André Ventura foi surpreendida pela maior manifestação anti-Chega de toda a campanha e teve dificuldades em reagir.
Ainda convocou reforços mas Ventura acabou agarrado a um microfone, uma coluna portátil que mal projetava o som, duas dezenas de apoiantes e abafado pelos gritos de protesto. Foi a primeira vez que a voz de Ventura não se fez ouvir mais alto do que a dos manifestantes nesta campanha.
Terminou o dia de campanha a improvisar um hotel para dar uma conferência de imprensa em que acusou o Bloco de Esquerda de espionagem e boicote. Amanhã, quarta-feira, há mais.




JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR