“Bem-vindos ao desconfinamento, bem-vindos à vida!” Foi assim que Pedro Abrunhosa abriu o primeiro concerto-piloto com plateia em pé em contexto de pandemia, no Altice Forum Braga, esta sexta-feira. A ouvi-lo estavam 400 pessoas, testadas previamente, com resultado negativo, máscara no rosto e distribuídas por quatro zonas, com 500 metros quadrados cada, rodeadas por gradeamento.
“Estava com muitas saudades de ver música ao vivo”, dizia Sílvia Rodrigues, minutos antes de começar o espetáculo. “Este é um tipo de evento que já não acontece há muito tempo, achei que realmente era seguro vir e aproveitei. Prefiro ver concertos de pé, há uma dinâmica diferente, as pessoas estão mais ativas e à vontade.” A espetadora bracarense acredita que esta noite poderá ser “o primeiro passo” para o futuro da cultura em Portugal. “É uma boa opção, desde que funcione desta forma. Os músicos e os técnicos precisam disto, já estão parados há muito tempo.”
Ao seu lado, Sílvia tem o marido, Marco Fernandes, e foi ele quem comprou os bilhetes. “Não foi apenas pelo preço acessível, foi mesmo pela ansiedade de ver um concerto em carne e osso. Durante a pandemia, confesso que em salas fechadas não me sinto seguro, mas se for ao livre, sim. Aliás, acho que os estádio de futebol poderiam perfeitamente receber espetáculos deste género.” O artista escolhido também pesou na escolha do casal. “Sou muito fã do Abrunhosa, sigo-o desde o primeiro álbum Viagens, de 1994, já o vi várias vezes ao vivo e gosto muito, nunca desilude.”
Numa outra zona gradeada, com 100 pessoas bastante afastadas no interior — onde até alguns se sentavam no chão, bem ao estilo de um festival de música — está Maria José Aguiar, igualmente fã do cantor portuense. “Comprei o bilhete mal vi anunciarem o concerto no Correio do Minho, não perdi tempo. Adoro o Pedro Abrunhosa, estou a ajudar uma instituição e sinto que estou a ajudar a fazer um teste que é importante para saber se no futuro podemos ver concertos em segurança. Precisámos de música, teatro, cinema e festa. Precisamos deste passar neste teste.”
Adepta de espetáculos online durante o confinamento, Maria José veio sozinha e não se importou de ser testada pela terceira vez para ter “uma noite memorável”. “Vim cedo para me encostar aqui à grade, mas nem era necessário, porque há bastante espaço.”




▲ "Temos de perceber como as pessoas se comportam e qual será o resultado de uma possível proximidade que elas poderão ter aqui dentro", disse Álvaro Covões
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
De joelhos e a cantar entre a plateia, Pedro Abrunhosa foi feliz em Braga
Passavam 30 minutos da hora marcada, o frio já se fazia sentir, Pedro Abrunhosa entrou em palco de sobretudo castanho, mas logo à segunda canção despiu-o para mostrar um blazer com lantejoulas vermelho. O estilo inconfundível do cantor brilhou até à última fila do recinto e o concerto começou com um alinhamento pouco inocente, onde versos como “vamos fazer o que ainda não foi feito” ou “há quanto tempo isto está para acontecer?” soavam em coro.
“Braga, não consigo ouvir nada, deve ser da máscara”, queixava-se o artista, puxando pela plateia que, 14 meses depois, via finalmente à sua frente de pé. Uma música depois, um elogio aos portugueses e uma chamada de atenção aos fotógrafos. “O povo português deu um chuto na Covid, deu a volta por cima. Pedia aos fotógrafos para hoje não focarem o palco, mas a cara destas pessoas.”
Antes de se sentar ao piano, Abrunhosa fez a plateia mexer, não apenas para se aquecer do frio, mas também para fazer exercício físico. “Quem é que engordou durante a quarentena levante o braço. Quem não for ao ginásio, vai perder aqui uns quilos”, prometia com humor. Entre saltos, aplausos, mãos no ar e coreografias ensaiadas, poucos ficaram quietos e não obedeceram às ordens do artista, que não esqueceu as vítimas da pandemia e os idosos mais isolados. “Três milhões de pessoas morreram durante a pandemia, não gostava que este concerto deixasse passar em branco aqueles que não se puderam despedir dos seus e os mais velhos e isolados”, disse, já sentado ao piano, depois de pedir à régie para baixar a intensidade das luzes no palco.

▲ "O povo português deu um chuto na Covid, deu a volta por cima", afirmou Pedro Abrunhosa
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Minutos depois, eram mesmo as luzes as protagonistas do concerto. No refrão –“enquanto não há amanhã, ilumina-me, ilumina-me” — muitos telemóveis pairavam no ar com a lanterna ligada, mas Pedro Abrunhosa, com uma vista privilegiada do palco, espantava-se com outros detalhes. “Não acredito, há luzes acesas nas casas, pessoas à janela e na varanda, há carros estacionados com os faróis acessos”, disse, enquanto eternizava o momento, filmando-o.
Irrequieto e insatisfeito, Abrunhosa desceu do palco e desafiou a distância de segurança entre o gradeamento, andou uns metros pela plateia e ajoelhou-se no chão, como um gesto de agradecimento. “Pode não ser o fim, mas estamos no princípio do fim”, disse, arrancando mais uma dose generosa de aplausos.
Já no final do encore, o cantor confessou ter sido feliz. “Estávamos todos muitos felizes em palco. Ao fim de um ano e uns meses, este é o primeiro concerto de pé e é uma sensação normalidade retomada. Há uma felicidade em voltar ao local natural onde as canções se consomem, o palco. Um concerto com público em pé era uma coisa vulgar e agora é o pico de um simbolismo de uma atividade retomada.”
Depois de uma hora e meia de concerto, o músico não tem dúvidas que o espetáculo que acabou de protagonizar “é uma experiência científica” e não esconde o peso da responsabilidade. “Sinto-me responsável pelo que se vai passar, estamos todos à espera do resultado e creio que será positivo.” Do palco, Pedro Abrunhosa diz ter sentido “uma clara sede em voltar a usufruir do convívio e da cultura”. “Vi pessoas que estavam fora da cerca em carros a fazer sinais de luzes permanentes, mas também gente à janela e à varanda. Parecia um anfiteatro natural.”
O cantor acredita que o caminho para chegar à realização de grandes eventos pode muito bem ter começado esta sexta-feira, em Braga. “Este espetáculo é uma fórmula para a retoma dos espetáculos grandes, como os festivais, em que as pessoas estão de pé e onde há uma maior dificuldade em manter o distanciamento recomendado”, sublinhou, recordando as dificuldades de um setor, “profundamente afetado, apesar das medidas do Governo” e que agora urge em trabalhar.
“O setor nunca esteve estão unido, nunca percebemos tão bem os problemas uns dos outros como agora. No tempo de recolhimento foi notório que a cultura é fundamental, o que seria dos portuguesas sem ela?” Abrunhosa contou ainda que aproveitou esse mesmo recolhimento para criar. “Utilizei esse momento para produzir mais, estive a escrever e lançarei algo em breve.”




▲ "Um concerto com público em pé era uma coisa vulgar e agora é o pico de um simbolismo de uma atividade retomada"
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
“Recomendo a 100% esta experiência, excelente organização, inspira muita confiança, queremos mais, muito mais”
As luzes acenderam-se, as grades foram afastadas e os assistentes de sala conduziam ordeiramente grupos de pessoas até à saída. “O Pedro Abrunhosa quase que me deu um bacalhau”, ouvia-se numa conversa de amigos, que viram o artista passar mesmo à sua frente. A frase arrancou várias gargalhadas, a mais audível era a de Bárbara Teixeira. “Superou as minhas expectativas. Estávamos todos ansiosos por vir a um concerto, só soube há dois dias e achei mesmo fixe, não só por ser barato, mas também por termos acesso a um teste rápido. A organização é brutal, senti-me super segura. Sinceramente, achava que ia ter aquela sensação de estar num espaço mais cheio, mas não.”
Para a jovem natural de Braga, o número de pessoas presentes é o ideal nesta fase, embora não esconda a vontade de frequentar espaços mais apertados. “Este número está bom, pelo menos até os casos diários diminuírem. No futuro, claro que espero que existam mais pessoas a assistir aos concertos, é essa a magia do momento, mas mesmo assim, não nos podemos queixar.”
José Gonçalves também é de Braga e “está a jogar em casa”. “Recomendo a 100% esta experiência, excelente organização, inspira muita confiança, queremos mais, muito mais.” Ao seu lado está a mulher, Rosa Pinheiro, que mal chegou ao recinto teve uma ideia de marketing para a sua cidade. “Quando aqui cheguei, pensei: ‘isto é um mini Rock in Rio Este’. Ficava um bom título para um festival em Braga, não acham?” O casal afirma quase em coro que já viu Pedro Abrunhosa em vários palcos, incluindo um ali perto, o Theatro Circo, mas em pé “tem outro sabor”. “Neste género de música prefiro estar de pé para poder saltar e cantar, sentado fica-se quase a dormir”, brinca José.




▲ Em Coimbra haverá novo espectáculo-piloto a 8 de maio, com mil pessoas. Em Lisboa, dia 9, um outro, em sala fechada, com 75% da lotação
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Álvaro Covões, diretor da Everything Is New, promotora do festival NOS Alive, e membro da direção da APEFE — Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos, fez um balanço “muito positivo” do concerto piloto. “Significa que os portugueses confiam nas organizações e que a cultura é segura. Este teste pretende dar às autoridades de saúde material para o poderem estudar e ver se, por um lado, a lotação das salas pode passar pelo menos para 75% e, por outro, se podemos garantir eventos como os festivais. No fundo, é ver até onde podemos ir até chegarmos à imunidade de grupo, pois nessa altura estaremos todos aqui e sem máscara.”
Se quinta-feira, com o humorista Fernando Rocha em palco, a plateia estava sentada, um dia depois, o processo de segurança e testagem manteve-se, mas as cadeiras desapareceram. “Hoje é um dia muito mais especial, esta tipologia de espetáculos em pé é algo que praticamente não aconteceu nos últimos 14 meses, por isso, é o verdadeiro teste que procuramos. Temos de perceber como as pessoas se comportam e qual será o resultado de uma possível proximidade que elas poderão ter aqui dentro.”
Consciente das dificuldades que o universo artístico vive atualmente, o promotor garante há artistas, empresas e técnicos que não trabalham desde 2019, uma vez que os primeiros meses do ano de 2020 “foram na época baixa”. “Além do desejo de trabalhar, já é uma necessidade. Os apoios não chegam, na cultura não somos como muitos setores, não queremos mais apoios, queremos é que nos deixem trabalhar, obviamente em segurança.”
Na manga, Álvaro Covões tem já anunciados mais dois espetáculos-piloto, com testagem prévia e uma lotação maior, de mil pessoas. “Em Coimbra, será no sábado, 8 de maio, com mil pessoas em pé, separadas por grupos de 250, na Praça da Canção. Em Lisboa, no dia seguinte, será um espetáculo em sala, que em vez de 50% terá dois terços da lotação disponível.”