O ministro Pedro Nuno Santos disse ontem que a TAP é demasiado importante para o país a deixar cair. Tornou-se hábito quando uma grande empresa está em dificuldades um socialista defender a sua importância. Para um socialista a sério, daqueles que Pedro Nuno Santos visa ser, as grandes empresas são tão importantes que a vida do país depende delas. Há um histórico socialista por trás disto a começar pela PT. A PT também era imprescindível.

As empresas vão e vêm. Os países também, embora seja suposto durarem mais tempo. Portugal está cá quase há 900 anos. Não começou na TAP nem terminará com esta. E dada a situação delicada em que a TAP se encontra (e que há décadas é suportada pelos contribuintes portugueses) não é o país que precisa da TAP, mas a TAP que tem precisado do país. Ao contrário do que disse Pedro Nuno Santos não é a TAP que é importante para nós. Somos nós que temos sido importantes para a TAP. E a partir do momento em que a ideologia do ministro passa pela imprescindibilidade da TAP somos nós que nos tornamos importantes para o ministro. Não o contrário, como convém nunca esquecer.

Esta distorção é importante porque leva-nos a compreender muita coisa. Explica por que motivo o PS conseguiu cativar milhões na saúde, mas está disposto a entregar outros tantos à TAP. Faz-nos perceber as razões que levam o governo a não ponderar uma isenção dos impostos (a começar pelos operadores do sector turístico) mas esteja disposto a salvar a TAP de que, aparentemente, o país tanto precisa. Quando o então secretário de estado do turismo, Adolfo Mesquita Nunes, liberalizou o sector o objectivo foi facilitar a vida das empresas, fossem estas grandes ou pequenas. Permitir que todos os empresários pudessem, em igualdade, aproveitar as ofertas do mercado. O resultado foi o que conhecemos. É sintomático, e diz muito sobre o que está em causa, que um político liberal legisle para todos em igualdade enquanto um socialista se preocupe em salvar uma grande empresa à custa dos contribuintes.

É também esta distorção dos factos que explica os erros do governo a lidar com a pandemia. Para um país tão dependente do turismo era fácil perceber que o problema devia estar controlado até ao Verão. Mas o governo preferiu regular sobre o nosso comportamento nas praias, não se esquecendo sequer da distância entre as toalhas. A minúcia foi tal que para ir à praia não basta uma máscara. Precisamos de uma fita métrica e de umas luvas de boxe, just in case. Em nome da saúde e do bem-estar de todos.

Já estamos em Julho e não é difícil imaginar como vai ser o Verão. Para António Costa não há dúvidas: o primeiro-ministro foi à região e diz que foi bom ver o Algarve sem filas e as enchentes de sempre. É o mesmo António Costa que afirmou que o aumento do número de casos na zona de Lisboa e Vale do Tejo não tem relação com o centro de Lisboa. Para António Costa o que interessa é que a fase final da Liga dos Campeões se realize na capital do país. Não se quem vive na periferia trabalha em Lisboa porque o primeiro-ministro é perito em fabricar narrativas, repeti-las à exaustão até serem verdade e se irritar quando alguém ousa contrariá-lo. Precisamente aquele tipo de pessoa que dá mais prazer contrariar.

E é preocupados com a TAP e com Champions que chegamos ao ridículo do governo querer dar dinheiro a uma empresa que traga estrangeiros que não podem vir porque o governo falhou o controlo da pandemia.

Tudo isto pode parecer surpreendente, mas não é. Vai ao encontro da forma socialista de ver as pessoas e o país. Para um socialista, a culpa não é dos governos socialistas, mas dos cidadãos que não acatam as suas políticas. Recordemos as palavras de António Costa na última reunião no Infarmed. Para um socialista, não se os baixam salários dos seus eleitores, mas cortam-se nos serviços prestados. Veja-se as cativações orçamentais desse mago das finanças que foi Mário Centeno. Para um socialista uma empresa grande é melhor que muitas pequenas porque a grande, sendo uma, controla-se melhor. Veja-se a preferência pela TAP. Na verdade, os socialistas são os grandes amigos do grande capital. A desigualdade está no seu ADN. É a sua essência. O que a pandemia fez foi iluminar o que estava escondido. E é assim que, sem contas certas, com um SNS em dificuldades, ficámos também sem turismo. 5 anos. Foi o tempo que levou. Não fosse a pandemia o país até resistiria mais porque, apesar de tudo, somos mais fortes do que eles.