A diferença entre a primária e a universidade. A diferença entre um treinador com três anos de experiência e um dos melhores treinadores do mundo. A diferença entre um clube que só tinha estado uma vez nos oitavos de final da Liga dos Campeões e um clube que esteve na final da Liga dos Campeões na época passada. A diferença entre David e Golias. A goleada que o Sporting sofreu em Alvalade frente ao Manchester City, há três semanas, baseou-se na diferença abismal entre portugueses e ingleses. Esta quarta-feira, numa segunda mão que quase só servia para cumprir calendário, o Sporting procurava pegar nessa diferença e restaurar o que ficou destruído na primeira: o orgulho.

“Entrámos bem no jogo, na primeira mão. Foram poucos minutos até ao primeiro golo mas conseguimos ter bola. Espero que os meus jogadores não levantem o braço à espera do fora de jogo quando a bola ainda está a ser jogada, como aconteceu no primeiro golo, que dois jogadores não escorreguem como aconteceu no terceiro golo… Que tenhamos alguma sorte nesse sentido. Seria benéfico conseguirmos pressionar melhor. Não digo que se vá pressionar ao pé do Ederson mas que se entenda melhor os momentos de pressão. É muito difícil roubar a bola ao City. Espero que tenhamos um pouco mais de bola, o jogo de Alvalade foi muito atípico. Após sofrer dois golos, ir atrás da bola torna-se quase impossível. Espero que se melhore com bola. Melhorar sem bola, principalmente, para que o resultado se mantenha em aberto durante mais tempo, o que ajuda a estimular os jogadores no próprio jogo”, explicou Rúben Amorim na antevisão, referindo várias vezes que o principal objetivo para a deslocação a Manchester era manter a “personalidade” da equipa.

Com a eliminação completamente certa depois do 0-5 em Alvalade, o Sporting disputava a segunda mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões com a ideia de que a goleada não poderia repetir-se. Mais do que pelo orgulho, mais do que pela personalidade, mais do que pela imagem que fica na Europa — pelas possíveis, eventuais e prováveis ondas de choque que daí poderiam advir. A seis pontos da liderança da Primeira Liga, em desvantagem nas meias-finais da Taça de Portugal, a equipa de Rúben Amorim para um março, abril e maio de enorme exigência e múltiplas decisões. Um março, abril e maio que podem ditar o sucesso ou o insucesso de uma temporada. Um março, abril e maio que não dão margem para quebras emocionais e anímicas na sequência de um jogo que já só servia para cumprir calendário.

Sem Matheus Nunes, castigado, e também sem os lesionados João Palhinha, Daniel Bragança e Pedro Gonçalves, Amorim convocou os jovens Renato Veiga e Rodrigo Ribeiro e foi forçado a fazer várias alterações ao onze inicial. De forma ligeiramente expectável, o treinador dos leões optou por não dar a titularidade a Dário Essugo no meio-campo e escolheu Bruno Tabata, que foi testado na zona intermédia na pré-época, lançando também Slimani em conjunto com Paulinho no ataque e deixando Nuno Santos no banco. Do outro lado e também com muitas ausências por lesão e castigo — como Rúben Dias, Kyle Walker, Nathan Aké ou Cole Palmer –, Guardiola poupava De Bruyne, mantinha a titularidade de Bernardo e apostava em CJ Egan-Riley, lateral direito de apenas 19 anos, para deixar o centro da defesa entregue a Stones e Laporte.

Os primeiros minutos mostraram desde logo que o Sporting iria apresentar-se de forma bem diferente daquilo que aconteceu em Alvalade. Os leões juntaram as faixas no próprio meio-campo, encaixaram os setores e defenderam com uma linha bem vincada de cinco — ao contrário do que acontece no Campeonato, quando os laterais são sempre mais alas do que laterais e raramente aparecem mesmo junto ao trio de centrais. A equipa de Rúben Amorim ofereceu por completo a iniciativa ao Manchester City, que foi controlando com bola e uma intensidade abaixo da média, e os ingleses fecharam o quarto de hora inicial com mais de 70% de posse de bola.

O conjunto de Pep Guardiola estava plenamente confortável na partida, com bola e a construir a partir da linha do meio-campo, mas não conseguia encontrar espaços para romper ou colocar os habituais passes longos para as costas da defesa à procura das arrancadas de Sterling ou Foden. Do lado do Sporting, Gonçalo Inácio parecia ser o elemento mais instável no setor defensivo, perdendo algumas bolas em zonas recuadas e nunca arriscando as habituais saídas com bola que o caracterizam, enquanto que Luís Neto ia realizando uma exibição consistente e recheada de momentos cruciais.

O central português evitou um golo praticamente certo de Sterling, com um corte já na pequena área que evitou o pontapé do avançado depois de um cruzamento na direita (23′), e Phil Foden fez o primeiro remate da partida ao atirar de fora de área para uma defesa de recurso de Adán (24′). O jogo abriu ligeiramente a partir da meia-hora, com o Sporting a beneficiar também de maior posse de bola e de alguma capacidade para sair de forma mais apoiada, e acabou por desenhar um dos melhores lances da partida que terminou com um cruzamento de Porro na direita que a defesa inglesa afastou já na grande área (36′). Até ao intervalo, Sterling beneficiou da melhor oportunidade da primeira parte, ao aparecer na cara de Adán a tentar um chapéu e ver o guarda-redes evitar o golo com uma enorme defesa (38′), e Inácio foi fulcral na hora de impedir que o inglês ficasse isolado instantes depois (43′).

No final da primeira parte, Manchester City e Sporting estavam empatados sem golos — e a 45 minutos da natural confirmação do apuramento dos ingleses e da eliminação dos portugueses. Os leões iam deixando uma imagem muito mais positiva do que aquela que ficou na primeira mão, também fruto do resultado da eliminatória e da tranquilidade com que o City estava a jogar, e só iam pecando na definição na hora de tentar sair de forma rápida para surpreender o adversário.

Na segunda parte, Pep Guardiola mexeu desde logo e tirou Bernardo e Phil Foden para lançar Mahrez e o jovem James McAtee. O avançado argelino agitou desde logo as águas, aparecendo a assistir Gabriel Jesus num lance em que o brasileiro acabou por bater Adán, mas o lance foi anulado por fora de jogo (48′). A lógica mantinha-se: o City tinha a bola, tinha o controlo e tinha o conforto; o Sporting ia defendendo bem, não desmontava a estratégia e tentava desdobrar-se de forma rápida, apoiada mas sempre consciente.

Ainda assim, e até pelo golo marcado mas anulado logo nos primeiros instantes da segunda parte, notava-se uma assertividade superior no Manchester City. Neto voltou a ser crucial com um corte na grande área depois de uma combinação entre Jesus e McAtee (55′) e Adán evitou, com uma defesa a dois tempos, o golo do avançado brasileiro (56′). Essa subida de ritmo e intensidade dos ingleses acabou por potenciar uma resposta semelhante do Sporting, que viu Bruno Tabata fazer o primeiro remate dos leões neste período (57′) e Marcus Edwards entrar para o lugar de Sarabia e animar desde logo a fase mais ofensiva da equipa.

Nesta fase, o Sporting viveu o melhor período na partida, respirou com bola e conseguiu chegar com alguma frequência ao último terço — ainda que, mais uma vez, a definição na hora do derradeiro passe nunca fosse a ideal. Matheus Reis rematou ao lado (73′), Pedro Porro fez o mesmo do outro lado (74′) e Paulinho teve a melhor oportunidade dos leões, ao aparecer na cara de Scott Carson (que entretanto tinha entrado para o lugar de Ederson…) depois de um passe de Edwards para permitir a defesa do terceiro guarda-redes do City (76′). Até ao fim, Ricardo Esgaio e Nuno Santos ainda entraram mas o Sporting não conseguiu chegar a um objetivo que a dada altura chegou a parecer tangível: o golo.

Os leões empataram sem golos com o Manchester City no Etihad e foram eliminados da Liga dos Campeões graças ao resultado da primeira mão, com os ingleses a seguirem em frente com o apuramento para os quartos de final. Mais do que um empate, mais do que o facto de ter saído de Inglaterra sem mais golos sofridos, mais do que a imagem positiva ao fim dos 90 minutos, a equipa de Rúben Amorim mostrou mais uma vez que o orgulho vale tudo: o orgulho de não voltar a ser goleado, como aconteceu na dupla jornada com o Ajax; o orgulho de ter mais de dois mil adeptos no estádio que fizeram sempre mais barulho do que os adversários; e o orgulho de, nos oitavos de final da Liga dos Campeões, estrear um jogador como Rodrigo Ribeiro, de 16 anos.