E a ModaLisboa já concretizou mais um dia de apresentações e desfiles. Num sábado especialmente chuvoso, o sol recusou-se sequer a piscar um olho, mas dentro da sala de desfiles as criações de Luís Buchinho e Luís Carvalho brilharam com luz própria em apresentações concorridas, como sempre. Ricardo Andrez, Buzina e Hibu também apresentaram as suas coleções e levaram o público à boleia das suas inspirações, de voyeur digital, passando pela Princesa Diana e acabando nos anos 90 com um festa.

O calendário deste dia incluiu ainda as performances de Olga Noronha e Saskia Lenaerts e o desfile em plataforma workstation dos jovens designers Cravo Studios, Inês Manuel Baptista e Filipe Augusto.

Os materiais de Luís Buchinho e o regresso à cidade de Luís Carvalho

O desfile de Luís Buchinho foi o segundo na tarde deste sábado de ModaLisboa e ainda tirou partido da luz natural. E de uma mistura entre esta e as luzes artificiais da sala, quem mais beneficiou foi o público que pôde ver o jogo de texturas na coleção do designer. O preto foi a cor dominante, mas houve cinzas, um azul pedra, um laranja enérgico ao qual voltaremos e lantejoulas para encerrar o desfile. Buchinho apostou na elegância da simplicidade e o resultado foi uma coleção feminina e atual.

“Eu hoje acredito em formas, eventualmente, um pouco mais simplificadas e fiéis à estética do minimalismo dos anos 90, mas com matérias primas muito únicas e inusitadas”, explica-nos, referindo-se aos tecidos que utilizou na coleção.“São, praticamente, todos desenvolvidos por nós, empresa Luís Buchinho. Estamos a fazer muitas intervenções desde há algum tempo. Estamos a comprar matérias primas cada vez mais simples, na sua essência, geralmente sintéticos, porque conseguem fazer este género de transformações que nós vemos. Depois os materiais sofrem duas ou três alterações. São, por exemplo, estampados, enrugados.”

Neste desfile vimos as peças com uma textura parecida com a pele, mas com nervuras, outras com cortes a laser que são depois sobrepostas a outras peças, criando efeitos de padrões tridimensionais. Tudo isto é resultado deste trabalho de pesquisa têxtil que permite ao designer ter materiais novos em todas as estações e únicos no mercado. “Consigo criar peças extremamente simples, mas que têm uma textura e uma matéria prima completamente única e sei que não vou ter nada igual no mercado, porque foi criada de raiz.” E acrescenta: “estamos a fazer isso também nos materiais naturais, como os lanifícios, como se viu nos vestidos cai-cai e os casacos. Há uma fusão de tecidos em que, puxando as fibras um do outro, em vez de fazer cortes para os unir, há uma espécie de termocolagem que cria uma terceira cor, que é uma fusão dessas duas.”

Nos últimos anos, esta revolução das matérias-primas começou e acabou dentro de casa, “fizemos um exercício que foi uma espécie de um resourcing/up-cycling e fomos buscar muitos materiais que tínhamos em stock morto, que os nosso clientes já conheciam, mas sofreram alterações, com novas cores, formas, texturas visuais. É uma mais valia porque não estou a comprar matéria-prima, estou a renová-la, a dar aspeto novos.”

Luís Buchinho. © MELISSA VIEIRA/ OBSERVADOR

Voltando à coleção para o próximo outono/inverno 2022/23 e ao tal trench-coat num poderoso tom de cor de laranja… foi a única pincelada desta cor em todo o desfile. Porquê? “Não sei explicar muito bem essas coisas. Às vezes acho que é o que calha bem. Naquele look ficava bem em look total. E o resto são derivados de laranja, ele anda por lá, mas camuflado.”

Todas as coleções têm elementos assinatura do seu autor e também algumas novidades resultantes dos novos caminhos que o designer explora. Luís Buchinho explica que, nesta coleção, tanto uns como outros são os mesmos de sempre. “São os materiais, que é uma coisa que faço sempre, o lado gráfico sempre presente e trabalhado de diferentes tipos de maneiras, os materiais que já referi e sem dúvida uma mulher sexy, mas um sexy mais intelectualizado.”

A moda gosta de contar histórias e Luís Carvalho trouxe, com esta coleção, mais um capítulo do percurso. Conta-nos que, depois de na estação passada se ter inspirado numa viagem da cidade para o campo e criado uma coleção “muito leve e feminina”, esta estação fez o percurso inverso e regressou ao ambiente urbano. “O ponto de partida foi a obra do artista franco-americano Arman, a obra consiste em 60 carros empilhados em betão” e daí surgiu também uma paleta cromática contagiada por tons de cinzento, “está associada à cidade, é uma coleção mais urbana, mais unissexo”. A obra de arte refletiu-se também em outras peças, por exemplo “os looks com pregas e minissaias são efeitos de camadas e sobreposições que, explica o designer, estão relacionados com esta obra que foi a minha inspiração, que é muito geométrica e essa construção de peças tem a ver com isso”.

Outra presença muito forte nesta coleção são os fatos. “É um fetiche” explica Luís Carvalho, rindo-se. “O casaco é a peça que eu mais gosto de trabalhar e os fatos estão sempre presentes nas minhas coleções. Eu gosto de interpretá-los de novas formas. Tenho sempre fatos nas minhas coleções, seja verão ou inverno, homem ou mulher, eles têm de estar presentes.”

Além do regresso à cidade, esta coleção marcou também o regresso de Luís Carvalho ao desenho de padrões. A obra que foi o ponto de partida, inspirou também um padrão com carros que pudemos ver em algumas peças do desfile. O designer explica que desenhar padrões era algo que fazia no início das suas coleções, “parei algum tempo e agora este padrão fui eu que desenvolvi para a coleção”. O pied-de-poule é outro dos padrões em destaque neste desfile, “fazia sentido na coleção, pelas cores e pelo motivo geométrico” e, quanto à paleta, vale a pena referir ainda o vibrante tom de laranja e um profundo tom de azul petróleo. Não podiam faltar ainda na coleção os vestidos compridos mesmo à espera de uma oportunidade de  brilhar numa passadeira vermelha.

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Ao cair da noite o sportswear ganha asas, uma princesa transforma-se em musa e os anos 90 regressam em festa

A coleção de Ricardo Andrez não podia ter tido melhor cenário do que o tempo que se fazia sentir na tarde de sábado, frio e molhado. Foram muitas as peças de roupa impermeáveis e os casacos tipo blusão de penas que se tornaram apetecíveis perante a chuva que caía na rua. Um dos elementos que mais saltou à vista no desfile do designer foi o facto de todos os modelos se apresentaram com as cabeças cobertas, com máscaras balaclava, que apenas deixam os olhos à vista. A coleção de nome “Adults only”, segundo uma descrição de Andrez, subverte o workwear com a linguagem do sportswear e casual wear, acrescentando elementos mais inteligentes, mantendo-se sempre dentro do mundo do designer.

Regressando à roupa, houve uma mistura de peças de vestuário mais formais reinterpretadas num estilo descontraído com outros materiais. A coleção, com propostas masculinas e femininas, contou com inúmeros casacos, tipo blusão e também modelos compridos. Algumas peças tinham golas que se prolongavam sobre os ombros, criando uma um efeito de pequena capa em forma de asa de grilo. Houve ganga, malhas grossas e outros materiais sempre utilizados de forma a explorar a sua funcionalidade. Os ilhóses tornaram-se os novos botões e os elásticos são a forma ideal para ajustar as peças ao corpo com o seu efeito franzido. Ricardo Andrez acrescenta ainda na descrição da sua coleção que “examina o voyeur digital: uma exploração da narrativa pessoal, funcionalidade, sportswear e movimento”.

Diana, princesa de Gales é um ícone que perdura, uma fonte de inspiração e a musa que deu o ponto de partida da coleção de outono/inverno de Buzina. A marca explorou o simbolismo e a capacidade narrativa da moda, “a mulher no seu papel máximo, nos seus múltiplos refúgios, nas suas mais recônditas vontades. A princesa que só queria ser confundida no meio da multidão, um ícone que influencia o papel feminino até aos dias de hoje, um camaleão que usa as cores da sororidade”, pode ler-se na descrição da coleção. E com destaque para a frase “O que quer que vista vou ser criticada, por isso mais vale vestir o que quero.”

Buzina. © MELISSA VIEIRA/ OBSERVADOR

A designer Vera Fernandes reinterpretou para a Buzina o estilo da princesa na década de 1980 em 22 looks que desfilaram na tarde deste sábado pela passerelle da ModaLisboa na plataforma Lab. A coleção ultra feminina contou  com silhuetas que não marcam as formas do corpo, mas são femininas. Os franzidos criam formas muito volumosas, as cinturas são descaídas e os ombros largos. Há ainda delicados laçarotes que enriquecem as peças. Quanto às cores, a coleção foi pincelada com entusiasmantes tonalidades de cores outonais, como o laranja, o roxo, a ameixa e o ocre. O material por excelência da marca é o tafetá com o seu brilho característico.

O terceiro dia de ModaLisboa foi encerrado por Hibu e em ritmo de festa. Marta Gonçalves apresentou uma coleção que parecia saída da década de 1990, uma das inspirações da sua marca, através de vários elementos, como por exemplo as calças de ganga com o elástico da roupa interior à mostra deixando ver o nome da marca, um conjunto de ganga, as linhas retas, tanto na silhueta como no padrão aos quadrados. Hibu também desfilou na plataforma Lab e na descrição da coleção pode ler-se que “o género é irrelevante” e que a designer aposta em “fazer um cruzamento de referências multidisciplinares com uma estética minimal desconstruída através de uma abordagem descontraída, que nos chegará agora em denim, vinil, popelina, rib e jersey”.

Ao fundo da passerelle estava montada uma mesa decorada com peças em papier marché, que se revelou muito mais do que o cenário do desfile. Foi à volta dela que os modelos se juntaram todos no final do desfile e a passerelle tornou-se palco de uma festa com a música a subir de tom para convidar à dança.

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As performances e a Workstation

Neste terceiro dia de ModaLisboa houve duas performances, Olga Noronha apostou na dança  e Saskia Lenaerts num vídeo. Não fosse a chuva que caía sem parar e o “Ensaio sobre o corpo-não-corpo-no-corpo” teria sido mágico. A designer de joalharia Olga Noronha preparou uma performance concretizada por três bailarinos sob uma peça escultórica suspensa, ao ar livre, dentro do recinto do Hub Criativo do Beato, uma “performance que reconfigura o espaço, o tempo e o sentimento, do corpo dissociado”.Foram muitos os convidados que se juntaram sob guarda-chuvas em volta do evento e forma também muitos os viram, a uma distância seca, de dentro do Factory Lisbon.

Saskia Lenaerts preparou um vídeo que passou na sala de desfiles. “GOLA (advance and retreat): um filme para sua estreia na London Fashion Week 2022. Explorando e expandindo os limites do território e do espaço pessoal versus coletivo”, pode ler-se na descrição da criação. A designer de vestuário masculino contou com a ajuda da realizadora e amiga de longa data, Vitoria De Mello Franco na concretização deste curto vídeo de alguns minutos onde explora a transculturalidade através de dois capoeiristas numa performance de capoeira.

Workstation é mais uma plataforma da ModaLisboa para dar a conhecer ao público o trabalho de jovens designers de moda e neste desfile, que abriu o terceiro dia do evento, foram três as marcas a desfilar as suas propostas para o outono/inverno 2022/23.

A primeira foi Cravo Studios, a marca de Carolina Moreira. A coleção “Break free” apresentou propostas masculinas e inspirou-se “na falsa masculinidade reconhecida durante o século XX, esta coleção homenageia aqueles que confrontaram as normas padronizadas impostas pela sociedade”. A coleção lembrava um mood dandy e, segundo a descrição é “uma sátira às características atribuídas ao sexo masculino”, apresentando “um confronto entre silhuetas oversized e estampados inspirados em arquivos familiares, com peças que normalmente seriam vistas num guarda-roupa feminino”, o que se traduziu em propostas floridas e até um vestido longo a encerrar o desfile.

Seguiu-se Inês Manuel Baptista que apresentou uma coleção toda em preto, criando jogos de texturas com diferentes tecidos e efeitos, como por exemplo franzidos e um vestido todo coberto de pétalas de tecido, numa sequência de criações quase esculturais. A designer aposta em upcycling, no reaproveitamento de peças em segunda mão e desperdícios de produção. Esta coleção tem o nome “Realtà infinite” e foi inspirada na artista Leonor Fini.

Por fim, Filipe Augusto apresentou uma coleção de roupa masculina que misturou o clássico com alguns elementos surpresa. Por exemplo, as peças rígidas, como os fatos e as calças, foram pintados com cores inesperadas como o lilás ou combinados com tops em malha. O designer inspirou-se na festa de Nossa Senhora das Candeias, que acontece a 2 de fevereiro em Peso da Régua.