A direita organiza-se para o novo ciclo político que aí vem. Com congressos à porta e escolha de novos (ou velhos) líderes, PSD e CDS afinam o tom e desenham estratégias. Mas cada um por si. Pedro Passos Coelho recandidata-se para mais dois anos à frente do PSD, com a certeza de que se “alguma coisa acontecer entretanto”, leia-se, se houver eleições, será candidato a primeiro-ministro. Do lado do CDS, Assunção Cristas procura ocupar o lugar deixado vago por Paulo Portas, com o desafio que essa substituição acarreta.
Numa altura em que o alvo comum é o Governo do PS, os dois candidatos a líderes, ambos sem oposição interna, procuram demarcar-se um do outro para verem os seus partidos crescer de forma autónoma. A ideia é cada um voltar a centrar-se no seu eleitorado para, quando houver eleições, a soma das partes (PSD mais CDS) resultar numa maioria absoluta do centro-direita. Foi nesta lógica de reposicionamento com vista à preparação do pós-“geringonça” que Passos Coelho e Assunção Cristas elaboraram as moções globais de estratégia com que se vão apresentar aos respetivos partidos.
Uma, intitulada “Compromisso Reformista” (PSD), tem 33 páginas, sendo que metade do documento é centrado na explicação sobre o passado de governação com austeridade e no desenho de um cenário onde seria o PSD (e não o PS) a governar; a outra, “Ambição e Responsabilidade” (CDS), tem 24 páginas, é mais virada para o futuro e coloca mais perguntas do que respostas sobre os desafios que se avizinham. Feitas as contas, são mais as diferenças de estratégia do que as semelhanças. Mas vamos por partes.
Governo PS: o alvo comum. Passos mais assertivo, Cristas mais cooperante
Se é certo que o atual Governo socialista é o alvo comum a abater, os dois partidos da direita distinguem-se desde logo pela forma como falam dele. Passos mais duro e incisivo, Cristas mais en passant, prefere o diálogo e o consenso à luta permanente. São 80 contra 7, o número de vezes que ambas as moções recorrem à palavra “governo”. Já a palavra consenso, é usada 10 vezes pela candidata à liderança do CDS, e apenas uma por Passos Coelho, referindo-se ao necessário consenso em torno do problema da sustentabilidade da Segurança Social
Afirmando que o CDS quer ser “oposição firme e bem sustentada ao Governo das esquerdas”, Cristas caracteriza o atual Governo de “aventureiro” e “imprudente”, mas garante cooperação. Diz que o CDS vai respeitar as “convicções alheias” numa lógica de “espírito de cedência construtiva”, e que rejeita “a lógica permanente da luta, dos ganhadores e dos perdedores”. Diálogo e consenso são as palavras-chave. Sem o referir no texto, contudo, Cristas já fez saber que o diálogo da direita com o PS, no atual quadro parlamentar, só será possível na eventualidade de os socialistas mudarem de líder. Um cenário que, ainda assim, considera pouco provável.
Já Passos Coelho não é tão brando. Dedicando um capítulo inteiro ao passado, recuando ao período de resgate da troika, o ex-primeiro-ministro começa por lembrar que foi a coligação de direita que “ganhou eleições” mas que, mesmo assim, está na “oposição”, e afirma que “PS e Governo começaram mal”, enumerando os riscos de uma governação à esquerda. “Partidos populistas e radicais de extrema-esquerda”, é assim que Passos se refere ao PCP, PEV e BE ao longo de todo o documento. Sem consensos nem entendimentos, a estratégia do PSD é de encostar a esquerda à parede: comprometeram-se a governar, governem; se não o conseguirem fazer, não contem connosco.
Próximas legislativas. Calma, se Governo cair ainda há soluções
Assunção Cristas já o disse preto no branco: em caso de haver eleições antecipadas, ou mesmo que não sejam antecipadas e sejam só daqui a quatro anos, o CDS deve ir sozinho às urnas. A ideia é pôr o CDS a crescer e a conquistar mais eleitorado para, no fim, somadas as duas bancadas, PSD e CDS voltarem ao Governo. Isto porque, o que as últimas eleições mostraram foi que não basta um partido ganhar eleições para governar, é mesmo preciso ter o apoio parlamentar de pelo menos 116 deputados (para chegar à maioria absoluta).
Ou seja, a estratégia de Cristas passa por fazer o CDS crescer sozinho para depois ser o aliado perfeito do PSD na construção de uma alternativa de governo do centro-direita. O dia das eleições, contudo, “não tem data marcada”.
Neste ponto, Passos Coelho concorda com a sua ex-ministra da Agricultura. Não o escreve na moção, mas disse-o aos jornalistas: depois de mais de quatro anos juntos, é agora mais vantajoso que cada partido cresça pelo seu pé. Em todo o caso, a diferença é que o candidato a líder do PSD prefere lembrar que ainda há opções governativas no atual quadro parlamentar para o caso de o acordo à esquerda vir a falhar, sem que para isso tenham de ser convocadas eleições antecipadas. “Não é por estar hoje na oposição que o PSD passará a defender o permanente recurso a eleições antecipadas ou a instabilidade política como método de afirmação política”, lê-se.
Tanto Passos como Cristas mostram-se disponíveis para, no atual quadro parlamentar, fazerem parte de uma solução de governo caso o acordo das esquerdas falhe. Diferença: Cristas diz que essa solução só será possível se houver mudanças no PS (ou seja, sem António Costa); Passos recusa-se a pôr as coisas nesses termos.
Papel do Presidente da República. Passos dá chave da crise a Marcelo
Ao contrário de Passos Coelho, Assunção Cristas não fala do papel que o Presidente da República pode vir a ter nos tempos que se seguem. Mas o líder do PSD sublinha-o na sua moção estratégica, onde, ao mesmo tempo que se recusa a antecipar cenários de crise política, põe tudo nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa.
“Existem mecanismos no quadro constitucional que permitirão aos partidos políticos com responsabilidades parlamentares e ao Senhor Presidente da República avaliarem as melhores soluções a adotar em face das circunstâncias concretas”, lê-se. Ou seja, caso haja uma crise política à esquerda, Passos lembra que há duas maneiras de o Governo cair: no Parlamento, através de uma moção de censura, ou pela mão do Presidente da República, que pode dissolver a Assembleia.
Ideologia. Entre o pragmatismo, as reformas e a social-democracia
Há uma diferença de raiz: o CDS quer pôr a doutrina e a ideologia em segundo plano e centrar-se mais no plano do concreto, na resolução concreta dos problemas das pessoas; o PSD, por outro lado, quer erguer a bandeira ideológica da social-democracia, para se afastar do liberalismo. “Social-democracia, sempre!” é, de resto, o lema da recandidatura de Passos. Ambos afirmam-se como “humanistas” e “reformistas”.
“O CDS assume‐se como um partido reformista, promotor ativo de consensos, na convicção de que reformas sem estabilidade valem muito pouco. É um partido destemido e, em certo sentido, irreverente no lançamento de temas para o debate público. É um partido inclusivo, quer escutar todos e falar para todos”, lê-se na moção da candidata à liderança dos centristas. A ideia é orientar o partido para a “resolução concreta e pragmática dos problemas quotidianos das pessoas” mas encontrando “inspiração central para as suas soluções na matriz democrata cristã”.
Já Passos, que quer recuperar o rótulo que dá nome ao partido, afirma na moção que o PSD se quer afirmar como um “partido interclassista”, “aberto à sociedade”, aberto à “modernização” e assente nos valores da “liberdade e igualdade de oportunidades” e do “princípio humanista e personalista da atuação política”. O espírito reformista, de resto, está presente em todo o documento.
Mas sem rigidez ideológica: “Não somos reféns de uma leitura ideológica cristalizada num mundo em mudança”, lê-se. “A social-democracia portuguesa assenta também num juízo realista mais do que na abstração ou mera transposição, para território nacional, das grandes narrativas ideológicas”, acrescenta.
Prioridades. CDS virado para a cultura, PSD para o investimento e emprego
Ambos os candidatos a líderes definem nas duas moções um conjunto de prioridades para o país, que não são coincidentes.
De um lado, Assunção Cristas quer apostar nas políticas de natalidade, na valorização do território, na “garantia da qualidade da justiça” e, numa nova bandeira pouco tradicional dos centristas: a valorização da cultura. A organização política e administrativa da máquina do Estado também merece especial atenção.
Do outro, Passos Coelho estabelece cinco pilares prioritários: a aposta na qualificação das pessoas e no conhecimento científico “como elemento decisivo da igualdade de oportunidades e da mobilidade social”; a aposta na inovação e no empreendedorismo como forma de gerar emprego; a política de industrialização; a “criação de um ambiente favorável ao investimento”, nomeadamente através de uma “nova estratégia ambiciosa de reforma do Estado”; e a aposta no crescimento verde.
Europa. Passos convicto, Cristas passa ao lado
Passos Coelho quer mais da Europa. Já Assunção Cristas não dedica nenhum ponto especial da sua moção ao dossiê europeu.
“A Europa precisa de um novo impulso político e os partidos têm a obrigação de participar no desenho dessas respostas. O PSD, uma vez mais, estará à altura das suas responsabilidades”, afirma Passos Coelho no seu documento estratégico. E insiste: “Agora é preciso mais. Chegou o momento de relançar a Europa em torno de um projeto sólido de aprofundamento político, económico e financeiro. A UE tem de estar à altura das suas responsabilidades e Portugal, desde que não desbarate a sua credibilidade recuperada, tem a possibilidade e a responsabilidade de participar ativamente neste processo de refundação”.
Eleições autárquicas. O primeiro medir de forças
As eleições autárquicas de 2017 são vistas por ambos como o primeiro grande desafio político nas urnas. Do lado do CDS há uma clara estratégia de “reforço” e “crescimento” da presença autárquica, não sendo o CDS um partido com grande afirmação local. Na moção que assina, Assunção Cristas afirma que vai mobilizar “os melhores” para a luta local, e não fecha a porta a coligações.
“Devemos empenhar-nos em geral no reforço da nossa presença, sozinhos ou como parte de projetos comuns onde o CDS já tenha ou possa vir a ter uma participação relevante e valorizada“, lê-se.
Mais enraizado, Passos Coelho ambiciona manter, em 2017, a fasquia alta no plano autárquico. “O PSD tem a aspiração de voltar a ser, em 2017, o maior partido no mundo das autarquias, conquistando o maior número de presidências de Câmara e voltando a desempenhar, simbolicamente, a presidência da ANMP”, lê-se. Remetendo uma estratégia mais concreta para a Comissão Política Nacional, Passos também não fecha a porta à “política de alianças” nas autarquias.