Trump e a nostalgia do que nunca existiu

Donald fala connosco como se fôssemos crianças de cinco anos: com ele, tudo vai ser fantástico, mesmo sem explicar como – “believe me”, repete –, e os Estados Unidos vão proteger-se com uma grande parede, para que os “bad ombres” fiquem do lado de fora.

Miguel Sousa Tavares escreveu no sábado um texto muito curioso no Expresso, intitulado “A loucura dos povos”, onde depois de traçar um retrato terrível de fenómenos como Donald Trump, Brexit ou Marine Le Pen, chega à seguinte conclusão: “Sabem que mais? Tudo isto era previsível. Há dez anos, perdoem-me a imodéstia, escrevi ou disse algures que as redes sociais eram uma ameaça mais grave para a civilização que conhecíamos do que o fundamentalismo islâmico. Fui gozado por toda a gente, tratado como um auto-excluído da modernidade. Mas dez anos depois, dou comigo a rir-me quando vejo alguns dos grandes arautos dessa modernidade queixarem-se agora de serem vítimas indefesas do primarismo intelectual e moral das redes sociais.”

O que é curioso nesta conclusão de Miguel Sousa Tavares é que ele ataca Donald Trump com argumentos típicos de um apoiante de Donald Trump. Se os votantes nas eleições americanas – ou no referendo britânico – fossem exclusivamente pessoas com uma conta no Facebook, hoje não existiria Brexit e a senhora Hillary Clinton esmagaria Trump. Basta olhar para as estatísticas. Hillary domina largamente a corrida entre quem tem menos de 49 anos, enquanto Trump conquista a esmagadora maioria dos votos acima dos 65. O mesmo se passa em termos de habilitações académicas. Sousa Tavares protesta contra as redes sociais, mas são aqueles que menos as usam que mais apoiam o homem que ele detesta.

Não há nada de espantoso nisso. Aquilo que têm em comum slogans como “Make America great again” (Trump) ou “We want our country back” (Brexit) é a invocação de um passado glorioso, em que a América e o Reino Unido eram grandes, seguros e prósperos, ainda que ambos os países nunca tenham sido tão ricos e seguros como hoje. Só que não para todos. Esta mitificação do passado num ocidente cada vez mais envelhecido começa a ganhar um nome – política da nostalgia – e é ela que marca o sucesso não só de Trump, de Nigel Farage ou de Marine Le Pen, mas também do Podemos, do Syriza ou do Movimento 5 Estrelas, isto só para me manter em exemplos internacionais. Temos, aliás, de agradecer a Slavoj Zizek a honestidade com que justificou o seu apoio a Donald Trump – revolucionários e reaccionários são apenas irmãos desavindos. O que é o próprio extremismo islâmico, afinal, se não a recuperação do sonho do califado, quando a cultura árabe dominava o ocidente? Há uma linha nostálgica que une toda esta gente. A esperança no futuro (“yes we can”, “change we can believe in”, os slogans de Obama) está a ser substituída pelo medo do presente e pela nostalgia do passado.

Donald Trump é a caricatura de tudo isto, mas não deixa de ser isto. Da extrema direita à extrema esquerda, não falta gente incapaz de lidar com a globalização e a desejar aquilo que jamais poderá ter – um travão que pare a História, porque eles querem sair. À medida que a realidade se vai tornando mais complexa, há cada vez mais pessoas atraídas por respostas simplistas. A diferença entre Trump e os outros é ser tão primário que se torna chocante. Donald fala connosco como se fôssemos crianças de cinco anos: com ele, tudo vai ser fantástico, mesmo sem explicar como – “believe me”, repete –, e os Estados Unidos vão proteger-se com uma grande parede, para que os “bad ombres” fiquem do lado de fora. Sim, Trump é ridículo. Mas ele é apenas mais um entre os muitos malabaristas do medo que pululam por aí, prometendo o regresso a um mundo que nunca existiu.

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