O poderoso ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, garantiu na última semana aos jornalistas que “não haverá qualquer grande crise grega neste verão“. Não valerá a pena, portanto, o leitor continuar a ler este texto. Prossiga apenas se quiser entender a que propósito é que a questão foi, sequer, colocada.
A questão foi colocada porque os cofres públicos gregos estão quase vazios, uma vez mais. Tal como aconteceu na primavera e no verão de 2015, o governo de Atenas já está a adiar pagamentos a fornecedores e a recorrer às tesourarias de serviços públicos como hospitais e autarquias. Isto para não falhar com pensões e salários da Função Pública. Os pagamentos de ordenados e pensões de maio estão em risco, escreveu o The Guardian. Com 2.300 milhões de euros em dívida a pagar em julho (mais juros), a bancarrota é um risco real.
Por detrás deste déjà vu está um braço-de-ferro nas negociações da primeira avaliação do terceiro resgate, que deviam estar fechadas há meses. Sobre as reformas na economia e sobre as metas orçamentais, o governo grego não se entende com os credores internacionais (FMI e Comissão Europeia). E estes, por sua vez, têm dificuldade em se entenderem entre eles, pelo menos em relação às previsões económicas para a Grécia. Quando, em meados de abril, as conversas chegaram a ser suspensas, ficou claro que o clima é, novamente, de grande tensão. A situação na Grécia, e a “suspensão de contactos institucionais, merece acompanhamento e preocupação“, afirmou esta semana Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, em Moçambique.
Após vários meses de impasse, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, terá pedido ao presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, para retirar o debate das mãos dos técnicos e ministros das Finanças e fazê-lo subir para o nível do Conselho Europeu (presidentes e primeiro-ministros). Esta foi uma tática de Tsipras no auge da crise no ano passado, com bons resultados. Mas, desta feita, Donald Tusk cortou as bases ao primeiro-ministro grego e não aceitou convocar, a seu pedido, uma cimeira extraordinária de líderes europeus para acabar com o impasse na Grécia.
O braço de ferro vai, assim, continuar. E a reunião desta segunda-feira do Eurogrupo, segundo a agenda oficial, serve para discutir um “plano abrangente de reformas” e a “sustentabilidade da dívida grega“. Um não existe sem o outro, a julgar pela formulação da agenda do Eurogrupo, e ambos os pontos são essenciais para que a avaliação seja fechada e a Grécia receba a tranche financeira que está pendurada – de 5 mil milhões. A Grécia já recebeu 21,4 mil milhões dos 86 mil milhões de euros do terceiro resgate — nem um cêntimo é do FMI — mas ainda não passou a primeira avaliação do programa de ajustamento.
O parlamento grego aprovou na noite de domingo novas medidas de austeridade, num teste importante a Tsipras que, assim, pode levar para o Eurogrupo mais um plano de consolidação orçamental para tentar desbloquear o impasse.
Descubra as diferenças (e as semelhanças)
Alexis Tsipras perdeu muito do elã que o levou ao poder no início de 2015 e que o reelegeu em setembro. Numa palavra: impaciência. “As pessoas estão cansadas de pagar tantos impostos e cada vez mais prefeririam tentar a sua sorte com outro governo”, descreve ao Observador Thanos Veremis, professor Emérito de História Política da Universidade de Atenas.
A perda de popularidade de Alexis Tsipras é visível nas sondagens — “se ele cair, tão cedo não voltará ao poder“, diz Thanos Veremis. E o governo de coligação liderado pelo Syriza está em risco, sobretudo se Tsipras ceder às exigências da troika. No parlamento de 300 deputados, Tsipras conta apenas com 153 (uma magra maioria de três votos). E o ministro das Finanças, Euclid Tsakalotos, já terá dito à troika que é politicamente impossível aprovar mais cortes no parlamento.

Euclid Tsakalotos, ministro das Finanças, já terá dito à troika que mais cortes são politicamente impossíveis. Governo tem maioria de apenas três deputados. (Emmanuel Dunand/AFP/Getty Images)
Os credores querem que Atenas aprove — já — medidas de “contingência” no valor de três mil milhões de euros. A troika tem ideias muito concretas sobre onde esses cortes devem ser feitos, mas o governo de Tsipras tenta convencer os credores a fecharem a avaliação apenas com um compromisso de que haverá cortes transversais caso se verifiquem desvios na execução orçamental — algo que a troika acha muito provável porque duvida das previsões económicas de Atenas.
O que separa, em concreto, Atenas e credores?
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O terceiro resgate assinado por Alexis Tsipras no outono passado prevê que a Grécia atinja um saldo (positivo) primário (excluindo pagamentos de dívida) de 3,5% do PIB até 2018. A Comissão Europeia, que recentemente melhorou as projeções económicas gregas, acredita que os planos atualmente previstos pelo governo, se cumpridas, serão suficientes para atingir essa meta. Mas o FMI, mais pessimista para a economia, não acredita nem que as medidas sejam suficientes nem considera um dado adquirido que haja uma execução à risca. O FMI recomenda, portanto, um esforço de consolidação de 4,5% do PIB, ou seja, 50% maior do que pede Bruxelas.
Até agora, a troika tem feito um finca-pé que Alexis Tsipras terá de aceitar, caso contrário o potencial para novos episódios de turbulência estará ao virar da esquina. Os credores querem cortes, sim, mas querem que eles sejam feitos de acordo com a sua receita. Caso contrário, defendem, a recuperação económica irá fraquejar.
Depois de seis meses de negociações relativamente tranquilas, pelo menos à superfície, “há sempre um risco de que, ao estilo político do Syriza, Alexis Tsipras possa tornar-se mais combativo, como em 2015”, afirmou Mujtaba Rahman, analista da consultora Eurasia Group, citado pelo Financial Times. Contudo, reconhece o especialista, “é mais provável que acabe por haver um acordo do que não haver, porque as alternativas são piores para Tsipras e para o Syriza“.
É, também, essa a leitura de Stefanos Akrivakis, um ex-militante do Syriza que saiu do partido depois de Tsipras ter assinado o pedido de resgate no rescaldo do referendo de 5 de julho. Ao Financial Times, Akrivakis diz que “o Alexis dececionou tanta gente que não pode arriscar lançar um novo referendo ou novas eleições”.
A popularidade de Tsipras está a recuar e à espreita – a subir nas sondagens – está Kyriakos Mitsotakis, novo líder do partido conservador Nova Democracia que está a conquistar uma imagem carismática comparável à que foi conquistada por Tsipras ao longo de 2014.

Caçador tornou-se a caça? Kyriakos Mitsotakis, novo líder do Nova Democracia, está a aproveitar a queda de Tsipras nas sondagens. (NurPhoto via Getty Images)
“A pressão para que se chegue a um acordo, rapidamente, é elevada”, dizem os economistas do Commerzbank numa nota enviada pelo banco alemão aos clientes na semana passada. Uma semana em que o país parou devido a uma greve geral de três dias — entre a última sexta-feira e este domingo –, uma greve contra as medidas que agravam as contribuições para a segurança social e outras alterações fiscais.
A culpa do impasse é da Grécia, diz chefe do fundo europeu
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“Há um atraso de oito meses na avaliação da troika porque há problemas relevantes de execução na Grécia. O FMI e a Comissão Europeia têm, de facto, projeções divergentes para a economia grega. Mas isso é normal — não é o que justifica este longo atraso”. Esta é análise de Klaus Regling, presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).
Em entrevista publicada sexta-feira pelo italiano Corriere della Sera, Regling sublinhou que “quanto mais rapidamente tivermos um acordo, melhor”. “Estamos a trabalhar para concluir a avaliação e evitar os problemas que aconteceram no ano passado”, concluiu o responsável.
Mas o Commerzbank defende que Tsipras não é o único que está sob pressão. Na opinião do banco alemão, “a União Europeia também está sob pressão”. Há um ano a Grécia parecia ser o único ponto negro numa Europa que seguia de vento em popa, com os mercados bem mais tranquilos. “Hoje, num contexto de crise dos refugiados e referendo no Reino Unido [o possível Brexit] a 23 de junho, a Europa também não estará interessada em que a situação se agrave”, lembra o Commerzbank.
Além destes fatores, há também as eleições em Espanha no final de junho. Tudo isto acontece num período de maior nervosismo nos mercados financeiros internacionais e de maior pessimismo em torno das perspetivas de crescimento económico a nível global. Ao contrário do que acontecia na primeira metade de 2015, a Grécia já não aparecem como único foco de instabilidade na Europa e, na opinião do Commerzbank, isso é um grande trunfo negocial para Alexis Tsipras.
Mas essa opinião não é consensual. O professor emérito da Universidade de Atenas Thanos Veremis diz que, pelo contrário, “todos estes fatores colocam Tsipras numa posição mais frágil, especialmente se os britânicos decidirem [a 23 de junho] permanecer na União Europeia”. “Se os britânicos ficarem, isso fará com que seja mais fácil para a União Europeia se livrar dos gregos sem causar demasiada turbulência”, defende Thanos Veremis.
Ainda assim, o académico acredita que “o primeiro-ministro Tsipras acabará por aceitar um acordo à última hora porque, se não aceitar, irá perder as eleições — a julgar pelas sondagens”.

Tsipras acabará por aceitar um acordo, porque se não o fizer sairá derrotado de novas eleições, diz Thanos Veremis, professor emérito da Universidade de Atenas.
O problema, diz o Commerzbank, é que “mesmo que haja um acordo entre a Grécia e os credores, o problema não ficará definitivamente resolvido“. “Afinal de contas, muitas medidas necessitam de uma aprovação por parte do parlamento grego, onde Tsipras tem uma maioria parlamentar mínima”, afirma o banco alemão.
Existe, contudo, quem tenha uma visão mais otimista para a Grécia. Um dos bancos de investimento mais poderosos do mundo, o Morgan Stanley, recomendou na semana passada aos seus clientes a compra de dívida pública grega e de ações dos bancos do país.
“A avaliação deverá, no final, ser concluída com sucesso. Ainda que o caminho até lá pareça atribulado, a liquidez nos cofres públicos da Grécia está a tornar-se tão reduzida que um compromisso tornar-se-á uma necessidade muito brevemente”, diz o Morgan Stanley.
Confiante de que, com mais ou menos solavancos, a Grécia irá manter o rumo, o banco de investimento diz que os riscos existem mas são ainda maiores as recompensas.
Os títulos de dívida pública, que continuam a negociar com juros acima de 8% no mercado, podem recuperar de forma acentuada se houver alguma perspetiva de o BCE juntar a Grécia ao grupo de países cuja dívida o banco central compra. Isso ajudará as ações dos bancos gregos a recuperar na bolsa, sobretudo se houver fumo branco sobre alguma forma de alívio do fardo da dívida pública grega. Segundo o Morgan Stanley, as ações dos bancos podem subir 90% em bolsa, no melhor cenário.