Este artigo foi originalmente publicado em 2016 e é agora recuperado para marcar os 60 anos da morte de Marilyn Monroe, a 4 de agosto de 1962.
Toda a gente sabe que Marilyn Monroe se chamava na verdade Norma Jeane (embora o apelido Mortenson nem sempre seja lembrado) e que Bob Dylan recebeu o nome de Robert Zimmerman. Também parece evidente a todos que Björk terá deixado alguma coisa de fora para se apresentar com tão singelo nome – e, com efeito, foi descartado um Gudmundsdóttir que seria um embaraço para quase todos os não-islandeses. Voltaire é nome de uso tão difundido e incontestado que poucos, fora de França ou dos estudos de cultura francesa, saberão que era o seu nom de plume, não o seu nome real, que era François-Marie Arouet. Não terão sido muitos os que alguma vez se interrogaram sobre o que significa o O e o J em O.J. Simpson. A resposta – Orienthal James – confirma que alguns pais parecem apostados em dificultar a vida aos filhos. Por outro lado, há nomes que parecem ter sido forjados de forma a serem inconfundíveis e fáceis de memorizar – como Thelonious Sphere Monk, o pianista de jazz – mas são, afinal, nomes de baptismo.

Thelonious Sphere Monk em 1947: quem precisa de nome artístico quando foi baptizado assim?
A troika original
Compreende-se que as três figuras de proa da revolução bolchevique tivessem que recorrer a pseudónimos: as actividades a que Lenin, Stalin e Trotsky se consagravam não eram bem vistas pela Okhrana, a polícia secreta czarista, pelo que eram obrigados a viver na clandestinidade, a mudar frequentemente de residência, a assumir identidades falsas e a usar disfarces – pouco antes da Revolução de Outubro, quando Lenin estava escondido em São Petersburgo, foi Stalin quem se encarregou de rapar a barba e o bigode de Lenin, antes de este empreender uma viagem para um refúgio mais seguro. Consta que Lenin terá ficado satisfeito com o trabalho do barbeiro: “Excelente! Agora pareço tal e qual um camponês finlandês!”.
Lenin não tardaria a deixar crescer a barba e o bigode característicos, mas a mudança de nome que operou em 1901 tornara-se definitiva. Lenin recebera o nome de Vladimir Ilyich Ulianov mas recorreu a pseudónimos muito diversos (Ilyin, Karpov, Jacob Richter), até que em 1901, após um exílio de três anos na Sibéria, passou a usar Lenin – e há que admitir que, do ponto de vista estritamente fonético, o marxismo-leninismo parece mais promissor do que o marxismo-ulianovismo. Há quem sugira que Lenin se inspirou no rio siberiano Lena, por analogia com Georgi Plekhanov, pioneiro do marxismo na Rússia, que escolhera para pseudónimo o nome de outro grande rio russo, o Volga.

Vladimir Ilyich Ulianov aos quatro anos, quando ainda não planeava enforcar todos os capitalistas
Stalin nasceu em Gori, na Geórgia e recebeu o nome de Iosif Vissarionovich Dzhugashvili (Ioseb Besarionis dze Jugashvili, em georgiano). No período em que o jovem Stalin desenvolveu intensa actividade na produção e distribuição de propaganda bolchevique e na organização de assaltos a bancos, raptos e homicídios, teve que recorrer a numerosos pseudónimos: Soso (um diminutivo de Ioseb), Soselo, Josef Besoshvili, Ivanov ou Koba, este último pedido emprestado a uma personagem de um romance de Aleksandr Kazbegi, em cujo perfil afim de Robin Hood Stalin via, provavelmente, reflectida a sua carreira como líder de bando de salteadores.
A partir de 1912, o líder bolchevique em ascensão escolheu Stalin, que não só era intimidante (significa “homem de aço”) como tinha a vantagem de soar a russo, já que ele queria libertar-se das suas origens georgianas (nunca conseguiria, todavia, falar russo sem um forte sotaque georgiano, mas depois de ter tomado o poder ninguém se atreveria a troçar da sua pronúncia). E embora alguns historiadores afirmem que Stalin nunca deixou de ser um pseudónimo, a verdade é que, embora os seus dois primeiros filhos tenham recebido o apelido Dzhugashvili, a filha Svetlana foi registada como Stalina (que ela, em 1956, mudaria para Allilueyva, o apelido da mãe, invocando, que “o som metálico da palavra Stalin lhe dilacerava o coração”).

Iosif Vissarionovich Dzhugashvili aos 15 anos, quando ainda estava destinado a ser padre ortodoxo
Trotsky nasceu numa família judia – mas que não falava iídiche nem professava a fé judaica – e recebeu o nome de Lev Davidovich Bronstein. Embora tenha assinado ocasionalmente artigos e panfletos com diferentes pseudónimos, a partir de 1902, após se ter evadido do seu exílio na Sibéria, passou a usar regularmente o nome Trotsky, que, segundo algumas fontes, seria o de um seu carcereiro numa prisão de Odessa. Casar-se-ia pela segunda vez, no final desse ano, com Natalia Sedova e os dois filhos desse casamento receberam os nomes de Lev Sedov e Sergei Sedov, aparentemente por Trotsky ter assumido o nome da mulher, embora, não exista registo de alguma vez o ter usado.

Lev Davidovich Bronstein aos oito anos, antes de ter percebido que só a destruição da burguesia poderia salvar o mundo
Outros líderes políticos
Se do ponto de vista fonético e de apelo junto das massas o nome Dzhugashvili era pouco promissor, Schicklgruber também não soa melhor e, para mais, evocava, na Áustria oitocentista, gente de origens humildes. A mudança de nome operada em 1842 pelo Sr. Alois Schicklgruber pode ter sido uma ajuda decisiva na carreira política do seu filho Adolf, que nasceria em 1889 – há que reconhecer que “Heil Schicklgruber!” é uma proclamação de fraco impacto, mesmo quando vociferada com fervor fanático.
Em 1945, após terem militado entusiasticamente nas funestas causas e projectos do Sr. Schicklgruber Jr., muitos alemães e austríacos acharam prudente mudar de nome, mas não foi por causa de um passado de simpatias nazis que Herbert Ernst Karl Frahm mudou de nome. Pelo contrário, fê-lo logo em 1933 porque, sendo militante social-democrata, se viu perseguido pelos nazis, tendo que fugir para a Escandinávia. Foi para iludir a polícia e os espiões nazis que adoptou o pseudónimo Willy Brandt, que passaria, em 1948, a ser o seu nome oficial. Foi com ele que, em 1969, se tornou chanceler social-democrata da República Federal Alemã.

Ficha da Gestapo referente a Willy Brandt
Um outro combatente pela liberdade ganhou, logo aos sete anos, um nome diferente do que recebera à nascença: no primeiro dia de aulas, a professora de Rolihahla Mandela, talvez por ter dificuldade em articular este nome próprio xhosa (que, em linguagem coloquial, designa alguém que arranja sarilhos), decidiu que o rapaz se chamaria Nelson. – a prática de atribuir arbitrariamente nomes próprios ingleses aos alunos era frequente nas escolas sul-africanas de então.
Gerald Ford, que viria a ser presidente dos EUA em 1974-77, foi baptizado como Leslie Lynch King Jr., mas como Leslie Lynch King Sr. começou a bater na mulher logo na primeira noite da lua-de-mel e, mais tarde, ameaçou matá-la, bem como ao filho e à ama, com um facalhão, a Sr.ª King não tardou a pedir divórcio. Três anos depois casar-se-ia com Gerald Rudolff Ford e, dadas as memórias desagradáveis associadas a Leslie Lynch King, o nome da criança foi mudado para Gerald Rudolff Ford Jr. Seria com este nome e sem grande mérito ou esforço que, em Outubro de 1973, tomaria o lugar do vice-presidente Spiro Agnew (que se viu obrigado a resignar depois de se ter descoberto que recebera subornos quando fora governador do Maryland e ser acusado de evasão fiscal e lavagem de dinheiro), e, em Agosto de 1974, tomaria o lugar do presidente Robert Nixon (apanhado no escândalo Watergate). E se Stalin ainda desperta suspiros nostálgicos, ninguém lembra Gerald Ford com saudade, já que a sua cinzenta presidência correspondeu ao pior desempenho da economia americana desde a Grande Depressão.
Pela altura em que Ford chegava, sem saber como, ao poder nos EUA, a muitos milhares de quilómetros da Casa Branca, Ho Chi Minh ia dominando as últimas bolsas de resistência do Vietnam do Sul e iniciava a unificação do país. À maneira dos líderes comunistas do seu tempo, também Ho Chi Minh escolhera para si próprio este nome em 1940, quando era conselheiro militar das forças comunistas chinesas – o nome que lhe tinha sido atribuído quando do nascimento, em 1890, era Nguyen Sinh Cung, mas Ho Chi Minh, que significa “aquele que foi iluminado”, tem outro impacto.

Nguyen Sinh Cung, aos 31 anos, quando vivia em França, em 1921
Já Pol Pot – nascido como Saloth Sar em 1925 – só adoptou este nome de guerra depois de ter tomado o poder no Cambodja, em 1970. O nome não parece ter nenhum significado óbvio, mas o título que, ao mesmo tempo, escolheu para si próprio é elucidativo: “Irmão Número Um”.
A escolha por Malcolm Little de Malcolm X como “nome de guerra” é prenhe de significado, como explicou este activista dos direitos dos afro-americanos. O “X” representaria o apelido familiar africano que ele, como os restantes descendentes de escravos, nunca poderia conhecer: “o X substituiu o Little que um qualquer esclavagista branco de olhos azuis sobrepôs ao dos meus ancestrais paternos”.

Malcolm Little quando adolescente
Israel é um país cuja génese explica que muitos dos seus líderes políticos tenham nomes diferentes daqueles que lhe foram dados à nascença. O país adoptou o hebraico moderno, uma língua recriada a partir do hebraico clássico, que não era falada pelos judeus vindos de diferentes pontos do mundo que afluíram a Israel. Foi assim que David Grün, nascido em 1886 na Polónia, se tornou David Ben-Gurion, que Golda Mabovich, nascida em 1898 em Kiev, se tornou Golda Meir (depois de, pelo casamento ter ganho o apelido Meyerson), que Yitzhak Yezernitsky, nascido em 1915 em Ruzhany (então no Império Russso, hoje na Bielorússia), se tornou Yitzhak Shamir, e que Szymon Perski, nascido na Polónia em 1923, se tornou Shimon Peres.
Num sentido lato, mudar de nome nem sempre significa inventar um pseudónimo ou nome de guerra, pode ficar-se pelo “rearranjo” do nome de registo. Em Portugal é frequente que os jogadores de futebol sejam conhecidos apenas pelos nomes próprios e que os políticos por dois apelidos – Durão Barroso, Passos Coelho, Teixeira dos Santos, Vera Jardim, Laborinho Lúcio – o que torna ainda mais invulgar a opção de José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa de singrar na vida como José Sócrates. Comprende-se, todavia, que este nome é bem mais adequado a uma carreira política (ou artística) do que “Pinto de Sousa”, nome que, num mundo em que o marketing e a auto-promoção tanto contam, se associa a um líder de concelhia cujo pico de carreira se resumirá a discursar para um congresso vazio e bocejante, às duas da madrugada.
Goyaalé, “o que boceja”, foi o nome que recebeu à nascença o indómito chefe apache conhecido como Geronimo. Reza uma lenda que o novo nome terá sido ganho numa escaramuça em que, armado apenas de uma faca e de uma coragem temerária, fez frente a soldados mexicanos que, desorientados com a sua tenacidade, terão invocado a protecção de São Jerónimo.
Mais difícil de compreender é a escolha do político e jornalista canadiano William Alexander Smith. (1825-1897), que governou a Colúmbia Britânica entre 1872 e 1874. É certo que Bill Smith é dos mais apagados nomes que pode conceber-se em língua inglesa, mas Amor De Cosmos, o nome que adoptou oficialmente em 1854, e que ele julgava significar “amante do universo”, soa ridículo até num autor de livros de “espiritualidade e descoberta pessoal”.

Amor de Cosmos, 1874
Líderes religiosos, o monge louco e a missionária abnegada
Os líderes religiosos também costumam tomar para si nomes diferentes daqueles que lhes foram atribuídos à nascença, como é bem patente nos papas e dalai lamas, em que tal mudança de nome é mesmo um passo indispensável na assumpção do cargo. As mudanças que o abraçar de uma religião podem operar na mundividência, na atitude perante a vida e até na personalidade de uma pessoa podem também ser razão para que alguém adopte um novo nome, como sinal de ruptura com o passado e empenho em começar nova vida.
Uma das mais famosas figuras religiosas do século XX foi Rasputin, o místico religioso que se tornou no guru da czarina Alexandra e a quem se atribuíram curas miraculosas. Há quem pretenda que o seu nome de baptismo seria Grigory Yefimovich Novykh e Rasputin seria uma alcunha que significaria “debochado” e teria sido por ele adoptada numa alusão ao seu estilo de vida. O rumor parece não ter sustentação: por um lado, ainda que o seu estilo de vida incluísse uma apreciável parcela de deboche seria má ideia publicitá-lo abertamente, pois deixaria de sobreaviso as potenciais vítimas das suas mistificações e manipulações. Por outro lado, Rasputin era um apelido corrente na Rússia de então e foi precisamente por, só na sua aldeia natal de Pokrovskoye, na Sibéria, existirem seis famílias com esse nome, que Rasputin solicitou ao czar Nicolau II que ele e os seus descendentes pudessem usar o apelido Rasputin-Novyi (“Rasputin Novo”). Talvez daí venha a confusão com Novykh.

Grigory Yefimovich Rasputin em 1914, no hospital, após ter sido apunhalado por Khioniya Guseva
Madre Teresa de Calcutá, a quem também se atribuem curas miraculosas, tornou-se universalmente conhecida pelo seu trabalho em prol dos mais desfavorecidos (embora Christopher Hitchens tivesse perspectiva bem diversa). Quando tomou votos religiosos, aos 26 anos, escolheu o nome Teresa em homenagem a Santa Teresa de Lisieux, patrona dos missionários. O seu percurso de vida teria sido, muito provavelmente, o mesmo se tivesse mantido o nome que recebeu quando nasceu em 1910, de pais albaneses, em Skopje (então parte do Império Otomano, hoje capital da Macedónia): Anjezë Gonxhe Bojaxhiu. Mas provavelmente teria sido amaldiçoada de cada vez que um jornalista não-albanês tivesse que escrever ou pronunciar o seu nome (que soa, aproximadamente, como “anieze gondje boiadjiu”).
No reverso da tela
Entre os grandes pintores do passado é também frequente que o nome por que são conhecidos não coincida com o nome de baptismo. No caso de El Greco é fácil perceber que os espanhóis assim o tenham nomeado, já que não lhes seria fácil reter e pronunciar Doménikos Theotokópoulos, o nome original do pintor e aquele com que sempre assinou os seus quadros, acrescido de “Kres”, que significa “cretense”, já que era deste ilha que era originário e foi aí que iniciou carreira como pintor de ícones na tradição bizantina. Houve quem descortinasse influências bizantinas na pintura de El Greco, mas tais teses têm hoje poucos adeptos. Seja como for, a sua pintura, recorrendo a cores cruas e frias e povoada de figuras esgalgadas, é de uma extraordinária originalidade e como que prefigura o expressionismo.

Presumível auto-retrato de El Greco, c. 1595-1600
Outro pintor conhecido pelas suas figuras irrealmente alongadas (e dotadas de pescoços com algumas vértebras extra) é Girolamo Francesco Maria Mazzola, que ficou na história como Parmigianino, um diminutivo do nome dado aos naturais de Parma, ou seja, algo como “parmesãozinho”.
Michelangelo Merisi, natural em Milão, ficou conhecido como Michelangelo da Caravaggio por a sua família ser originária de Caravaggio, uma cidadezinha da Lombardia. Acabaria por passar boa parte da infância em Caravaggio, por os Merisi nela se terem refugiado quando a peste assolou Milão em 1576, regressando a Milão em 1584, com 13 anos, para iniciar carreira como aprendiz no atelier de Simone Peterzano.

O martírio de Santa Úrsula, 1610: É possível que o pintor se tenha feito representar como o homem em segundo plano, no lado direito
A dominância do local de origem sobre o apelido familiar não é invulgar na época, uma vez que durante muitos séculos muitas pessoas não tinham sequer apelido familiar, compondo-se o seu nome de um nome próprio seguido pelo nome do pai e do local de origem. Leonardo da Vinci, nascido em 1425, tinha por nome completo, Leonardo di ser Piero da Vinci, o que significa apenas que ele é Leonardo, filho do nobre Piero, natural de Vinci – esta era uma fórmula comum no século XV e só pouco a pouco o nome de família se foi generalizando.
Foi também a cidade natal – Florença – aliada à cor do cabelo – ruivo (“ross\o”) – que originou a alcunha de Giovanni Battista di Jacopo: Rosso Fiorentino. Supõe-se que terá sido o tom escuro da pele que terá valido a Agnolo di Cosimo o nome de Agnolo Bronzino.
A alcunha de Bernardino di Betto, Pinturicchio (também grafado “Pintoricchio”) significa “pintorzinho” – o diminutivo aludia, porém, à sua estatura, não ao seu talento, que lhe valeu a encomenda de pinturas, frescos e mosaicos para igrejas e catedrais em Roma, Siena, Perugia e Orvieto e para a Biblioteca do Vaticano.
Já Giorgio Barbarelli da Castelfranco seria provavelmente encorpado, já que recebeu a alcunha de Giorgione (o que seria equivalente, em português, a Jorjão). Alguns dos seus quadros oferecem-nos situações e personagens ambíguas, que não se encaixam nos temas religiosos, mitológicos e históricos vigentes na época e têm suscitado múltiplas interpretações (o mais famoso é A tempestade).

Presumível auto-retrato de Giorgione (como David?), c. 1508
A alcunha atribuída a Giovanni Francesco Barbieri – Guercino (zarolho) – tinha provavelmente razão de ser, mas o estrabismo não parece ter-lhe atrapalhado a pintura.
Já Andrea di Michele di Francesco de’ Cioni ganhou reputação de possuir um “vero occhio”, literalmente “olho verdadeiro” (no sentido de “fiel”, “infalível”), pelo que ficou conhecido como Andrea del Verrocchio.
No nome de baptismo de Tommaso di Ser Giovanni di Simone a partícula “ser” indica que o pai era nobre, mas nem por isso recebeu alcunha lisonjeira, já que Masaccio confere a Maso, diminutivo de Tommaso, a conotação de trapalhão ou desajeitado. É possível que o nome tenha sido cunhado em contraponto ao de um sócio com quem realizou várias encomendas, Tommaso di Cristoforo Fini, que, ficou conhecido como Masolino, ou seja o “Tomazito frágil” ou “delicado” (uma dupla Laurel & Hardy da Renascença italiana?).
Jacopo Comin ganhou o nome de Tintoretto por a profissão do seu pai ser tintureiro. Foi também conhecido como Jacopo Robusti, mais uma alcunha herdada do pai, já que este terá combatido de forma “robusta” ou denodada na defesa de Pádua contra as tropas imperiais. Dando provas do pouco que se sabe sobre quem viveu há quatro ou cinco séculos, só em 2007 se apurou que o seu verdadeiro apelido era Comin (“cominho”, como na especiaria).

Auto-retrato de Tintoretto, c. 1548
Guido di Petro mudou o nome próprio para Giovanni quando ingressou na ordem dominicana e foi conhecido durante algum tempo como Fra Giovanni da Fiesole, por ter sido na cidade de Fiesole que fez voto monástico. Só mais tarde passaria a ser conhecido por Fra Angelico, pela sua extraordinária produção de pintura religiosa.
Paolo di Dono terá passado a ser conhecido por Paolo Ucello pela sua inclinação para pintar aves (“ucelli”) – embora não haja aves nos seus quadros mais famosos, como A batalha de San Romano, S. Jorge e o dragão ou na insólita Crucificação do Museu Thyssen-Bornemisza.
Após estes exemplos, será legítimo especular que talvez o pintor veneziano Vittore Carpaccio tenha ganho tal nome por apreciar particularmente aquele prato de carne crua cortada em fatias finas, mas o processo foi inverso. O prato foi assim baptizado, em 1963, por Giuseppe Cipriani, fundador do Harry’s Bar, em Veneza, por naquela altura decorrer na cidade uma exposição de obras de Vittore Carpaccio.
Há ainda os pintores que, não tendo ganho alcunhas, são conhecidos apenas pelos nomes próprios: quando se fala de Michelangelo raramente se acrescenta di Lodovico Buonarroti Simoni, tal como Tiziano (Ticiano na versão aportuguesada) costuma dispensar o apelido Vecellio e Rembrandt não costuma ser seguido por Harmenszoon (patronímico, significando “filho de Harmen”) van Rijn.

Um dos muitos auto-retratos de Rembrandt, em 1659, aos 53 anos
Sob os holofotes da Broadway e de Hollywood
As mudanças de nome são frequentes entre os imigrantes provenientes de países com línguas e culturas diversas das do país de acolhimento. Foi o que se passou nos EUA nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, que viram chegar vagas de imigrantes da Europa Oriental e Central, muitos deles judeus que fugiam dos pogroms e de uma sociedade opressiva e em que tantas actividades lhes eram interditas.
Alguns desses recém-chegados, ou os seus filhos, manifestaram invulgar talento como compositores de musicais: foi o caso de Jacob e Israel Gershowitz, nascidos em Brooklyn, em 1898 e 1896, respectivamente, numa família de judeus originários do que são hoje a Ucrânia e a Lituânia. Os dois irmãos, um compositor e o outro letrista, alcançariam fama e fortuna como George e Ira Gershwin. Quando George já assegurara um lugar de relevo como compositor de música popular, procurou Maurice Ravel para que este lhe desse lições de composição, pois ambicionava ser reconhecido também como compositor de “música séria”. Consta que Ravel lhe perguntou quanto dinheiro fazia por ano e quando Gershwin lhe revelou a quantia retorquiu que, nesse caso, não tinha nada para lhe ensinar.

George Gershwin, em 1927
Israel Isidore Beilin (ou Balin) foi um dos oito filhos de um casal judeu e nasceu algures no Império Russo em 1888 (há fontes que dizem que foi na Sibéria, outras no que é hoje a Bielo-Rússia). Após ter escapado a um pogrom, a família decidiu procurar paragens mais seguras nos EUA. Israel Isidore Beilin tinha cinco anos quando a família desembarcou em Nova Iorque, indo acrescer a massa de imigrantes miseráveis do Lower East Side. Aos 13 anos, a morte do pai obrigou Israel a deixar a escola e tornar-se vendedor de jornais, mas, munido de tenacidade e espírito de desenrascanço, lá foi subindo na vida a pulso. Aos 18 anos, sem ter tido qualquer educação musical, compôs a sua primeira canção, que lhe rendeu em direitos de autor a soma de 37 cêntimos. Haveria de compor muitas mais e com remunerações mais generosas. Assinou-as como Irving Berlin.

Irving Berlin aos 18 anos, no seu primeiro emprego num editor de partituras
Chaim (ou Hyman) Arluck nasceu em Buffalo, EUA, em 1905, sendo o pai um cantor judeu. Compôs cerca de 500 canções, sobretudo para a Broadway, mas também para Hollywood. Uma das mais famosas foi “Over the rainbow”, para o filme “O Feiticeiro de Oz” – estamos a falar de Harold Arlen.
Friedrich Löwe nasceu em Berlim, em 1901, de pais austríacos (e judeus) e, em equipa com o letrista Alan Jay Lerner, comporia alguns dos mais célebres musicais da Broadway, como My fair lady – entretanto, mudara o nome para Frederick Loewe.
Muitos dos grandes realizadores responsáveis pelos anos de ouro de Hollywood também provinham da Europa Oriental e Central, com notória sobre-representação de judeus. Alguns destes expatriados mantiveram o nome – foi o caso de Fritz Lang, Otto Preminger, Fred Zinnemann, Ernst Lubitsch ou Josef von Sternberg – mas outros adoptaram um novo nome que fosse mais fácil de pronunciar no seu novo país.
Michael Curtiz, realizador de “Casablanca”, “As Aventuras de Robin Hood”, “O Gavião dos Mares” e “White Christmas” (e mais uma centena de filmes, contando apenas os realizados em Hollywood), nasceu em Budapeste em 1886, numa família judia, como Manó Kaminer, nome que, aos 19 anos substituiu por outro de ressonância tipicamente húngara: Mihály Kertész.
Outro dos mais prolíficos realizadores da Hollywood desse tempo, William Wyler (Ben-Hur, The best years of our lives), também proveio de uma família judaica europeia – nasceu em Mulhouse, Alsácia (então na Alemanha, hoje na França) como Wilhelm Weiller.
O genial Billy Wilder (“Pagos a dobrar”, “Sunset Boulevard”, “O pecado mora ao lado” e muitas outras obras-primas) nasceu em 1906, numa família judia, em Sucha Beskidzka, então parte do Império Austro-húngaro (hoje na Polónia) como Samuel Wilder.

Billy Wilder e Marilyn Monroe na rodagem de O pecado mora ao lado, 1955
Lewis Milestone foi outro dos incansáveis realizadores ao serviço dos estúdios de Hollywood, assinando grandes êxitos, de “A Oeste Nada de Novo” (1930) a “Revolta na Bounty” (1962). Mas nasceu, também ele, numa família judaica, como Leib Milstein, na Bessarábia, então parte do Império Russso (hoje na Moldávia).
Douglas Sirk, nascido em Hamburgo em 1897, não tinha sangue judeu mas casou-se com uma judia e tinha inclinações políticas de esquerda, pelo que, em 1937, julgou prudente trocar a Alemanha pelos EUA, deixando atrás de si uma carreira prestigiada como encenador teatral e o nome de baptismo, Hans Detlef Sierck.
As mudanças de nome pelos actores seriam assunto para muitas páginas, pois é prática corrente o uso de nomes artísticos (que, em tempos, eram até escolhidos pelos agentes ou pelos estúdios). Algo de semelhante se passa com os músicos pop, que prolongam uma velha tradição que prevalece no showbiz desde o tempo dos castrati, e com os escritores, que chegam a usar pseudónimos diferentes consoante o género a que se dedicam.
Compreende-se a preocupação dos actores em ter nomes sonantes e fáceis de reter, pois no showbiz tal pode marcar a diferença entre a ribalta e a obscuridade. Nunca saberemos se, apesar dos seus admiráveis dotes de dançarinos e ao seu entrosamento perfeito, a dupla Frederick Austerlitz & Virginia Katherine McMath teria atingido o estrelato – mas talvez o facto de se terem apresentado como Fred Astaire & Ginger Rogers tenha ajudado.