Leonor Beleza lembra-se bem da primeira vez que esteve com a Simone Veil. A antiga ministra da Saúde francesa, que morreu esta sexta-feira aos 89 anos, veio a Lisboa a convite do PSD para uma “reunião política”. Estávamos em 1985/1986 e Leonor Beleza estava no início do seu mandato também ela como ministra da Saúde.
“Ajudou-me a perceber o que estava a fazer e a entender que [ser ministra da Saúde] era uma tarefa complexa”, conta a presidente da Fundação Champalimaud ao Observador. “Explicou-me que era uma função que não era fácil, porque era preciso lidar com questões muito importante para as pessoas, mas também com muito grupos que representam setores. E que era preciso encontrar um espaço de conversa e de convergência com todos os atores”.
A nível pessoal, também nada a apontar. “Era uma mulher com um trato muito afável, simples e delicado”. Mas já era antiga a admiração “sem limites” pela mulher que foi o rosto da despenalização do aborto em França e a primeira mulher presidente do primeiro Parlamento Europeu eleito por sufrágio universal — cujo “caráter simbólico e importante” Leonor Beleza não quis deixar de sublinhar.
Desempenhou cargos muito relevantes numa altura em que não era comum, na Europa, as mulheres terem esses cargos.”
A antiga governante recorda ainda Simone Veil como “um vulto de excecional força”, “uma voz eticamente irrepreensível” que “todos percebiam que valia a pena ouvir”, e uma “defensora dos princípios de igualdade e liberdade”.
Por circunstâncias da sua vida [experiência num campo de concentração], encarnava melhor do que muitos outros a importância da paz na Europa e da construção de um espaço grande de entendimento entre pessoas e povos”.
Ao longo dos anos, foram várias as vezes que Leonor Beleza esteve com Simone Veil, até porque a ex-ministra da Saúde francesa era curadora da Fundação Champalimaud. Foi a Paris encontrar-se com a antiga governante francesa para falarem sobre a Fundação, e a inauguração do Centro Champalimaud em 2010 em Lisboa.
Leonor Beleza diz ainda ter sido “uma das privilegiadas” que esteve presente no dia em que Simone Veil entrou para a Academia Francesa. “Ela era um símbolo, uma enorme força do que é a Europa e do que são os direitos humanos.”
Já António Capucho trabalhou com a francesa quando ela foi presidente do Grupo Liberal, Democrata e Reformista no Parlamento Europeu. Recorda várias conversas com Veil sobre temas políticos e não é parco nos elogios. “Foi uma das mulheres mais extraordinárias que conheci“, afirma o ex-eurodeputado ao Observador.
O ex-autarca de Cascais caracteriza-a também como uma mulher “muito simples”, de uma “afabilidade enorme”, com uma grande “capacidade política” e com uma “propensão enorme para assunto sociais”. “Era pró-europeísta e uma defensora dos direitos das mulheres e dos filhos adotivos”.
Apesar do seu passado ligado ao Holocausto, o histórico do PSD garante que Simone Veil “nunca se vitimizou” nem nunca “pretendeu salientar-se por essa faceta”. “Foi uma mulher sempre pela positiva, pelo futuro e por uma União Europeia forte”.
Carlos Pimenta tinha apenas 32 anos quando chegou ao Parlamento Europeu e trabalhou com Simone Veil. “Foi empatia à primeira vista“, considera o ex-eurodeputado ao Observador. “Para além da parte do social e da saúde, ela era uma senhora com S grande em todos os aspetos. Uma grande humanista”.
O antigo secretário de Estado do Ambiente, que conviveu com a francesa durante sete anos numa “base semanal”, recorda também o último cargo de ex-presidente do Parlamento Europa no organismo: deputada na comissão do Ambiente do Parlamento Europeu. Nessa altura, Carlos Pimenta foi seu coordenador. “Durante os três anos que isso aconteceu, [Veil] foi sempre de uma naturalidade, de uma disponibilidade… Eu tinha uma adoração por ela“, acrescenta.
Recorda-a ainda como uma pessoa de “uma grande dignidade humana”, que “não guardava nenhum ressentimento contra os alemães”, mas “com um feitio muito forte”. Carlos Pimenta conta mesmo que a francesa, quando estava na Comissão do Ambiente, chegou mesmo a expulsar presidente da Confederação da Indústria francesa do edifício do Parlamento Europeu por se ter exaltado durante uma reunião com ela.
“Era uma mulher extraordinária. Tenho a melhor das recordações dela”, conclui.
Morreu Simone Veil, primeira mulher presidente do Parlamento Europeu