Não tenho nada a certeza de que para nos influenciarmos uns aos outros, todos tenhamos que ter carisma. Quero dizer, não sei se precisamos de ter o carisma de que habitualmente se fala. Daí a minha interrogação inicial. Não faço ideia se temos necessariamente que ter esse carisma para fazer acontecer. Há quem seja reconhecido por ser muito carismático e ter muito impacto nos outros, mas também há quem tenha um enorme ascendente sem necessariamente ter o carisma que vem nos livros e manuais de liderança.
Não escrevo a propósito de um livro assinado por um político (que ainda por cima não li), nem escrevo sobre o carisma na política (que não tenho ciência para tanto), mas porque todas as semanas dou aulas a estudantes universitários que se preparam para o mundo do trabalho e naturalmente se interrogam sobre o ascendente que precisam de ter para levarem outros a colaborar mais. Todos sabemos que o mundo é um imenso sistema de colaboração e entrega e, por isso mesmo, a dúvida faz todo o sentido. Quem tem carisma? E o que é realmente ter carisma? Pode-se treinar um dom? E podemos ter ascendente sem ter carisma?
Facilmente se criam mitos e falsificações sobre quem são as pessoas verdadeiramente carismáticas. Confundimos muitas vezes o carisma com irreverência ou personalidades disruptivas, para usar a terminologia corrente em vésperas das eleições americanas, mas há muito mais carisma, em muito mais pessoas do que as que aparecem na televisão. Felizmente também estamos na semana da Web Summit, onde facilmente nos podemos cruzar com todos os tipos de personalidade e todas as variedades de pessoas influentes, que acreditam e fazem acreditar.
Mais do que tentar dissecar o carisma a partir dos supostos líderes carismáticos que povoam os telejornais, importa perceber o fenómeno a partir de pessoas banais que acham que nem sequer tem grande autoridade sobre quem as rodeia. Se ter carisma é ter o dom de encantar, persuadir, fascinar ou tocar os outros, então isto está ao alcance de todos. Senão vejamos. Ter um conjunto de qualidades que atraem e tornam a pessoa admirável, fascinante ou inspiradora não tem necessariamente que ser sinónimo de personalidade exuberante. Nem acontece só com extrovertidos e bons comunicadores. O carisma que conduz à eficácia e obtém melhores resultados também se revela frequentemente em grandes tímidos, em pessoas extraordinariamente privadas que se reservam o direito de não agirem segundo os cânones dos líderes do momento.
O fascínio que exercem os mais introvertidos pode ter um impacto enorme numa organização, por exemplo. As pessoas calam-se quase sempre para ouvirem alguém que fala pouco (e, muitas vezes, baixinho), mas nem sempre param para ouvir os que gritam ou falam sem contenção. Logo aí se percebe que um tímido pode ganhar terreno e influência se não tiver medo de expor as suas ideias ou revelar os seus projectos. É interessante conferir nas empresas que há sempre elementos extraordinariamente conciliadores, com enorme ascendente sobre os outros, mas que raramente se dão conta de terem um carisma por aí além. Mas têm. E conseguem influenciar os pares e a hierarquia de uma forma quase magnética.
Se assim é, então a boa notícia para as novas gerações é que podem trabalhar as suas qualidades a partir das exigências próprias da integridade e da autenticidade, sem terem que conceder aos artificialismos do carisma by the book. Podem tecer relações fortes e transformadoras fundadas na verdade inaugural de cada um. Sendo quem são, como são, melhorando sempre aquilo que podem ser melhorado. Sem terem que recorrer a manuais que os artificializam, insisto, e sem terem que inventar para si próprios uma personalidade tipo brilhante, muito reluzente, mas que não confere com a sua natureza.
Tal como as cirurgias plásticas apagam os vestígios da passagem do tempo e, muitas vezes, deixam as pessoas sem idade (nem sempre no melhor dos sentidos, note-se), também os excessos de tiques associados ao carisma moderno, tal como vem nos livros, podem desfigurar uma personalidade e apagar os traços mais característicos e autênticos. A originalidade de cada um devia ser indelével, mas nem sempre assim é. A mitificação dos que supostamente têm mais carisma acaba por favorecer o uso de máscaras sobre máscaras, coisa que realmente disfarça a verdadeira a individualidade, a singularidade de cada um.
Que fazer, então, interrogam-se frequentemente os alunos. Sobretudo os que se acham menos dotados neste campo. Não há pistas infalíveis, nem fórmulas matemáticas para estas matérias. Muito menos podemos aplicar o conceito ‘linha recta’, pois é uma abstração ainda maior e com mais margem de erro, já que ninguém evolui em linha recta. Mas é interessante observar uns e outros, dos mais calados aos mais interventivos, e verificar quem realmente faz a diferença numa turma. Ou numa equipa. Em aulas que duram três horas e exigem dos professores e alunos um espírito dinâmico e muita abertura à diversidade, é fascinante perceber ainda nos bancos de escola quem realmente tem carisma. Quem influencia quem. E é fabuloso conferir que entre as novas gerações de universitários os que têm maior carisma são os que fazem acontecer. Os que mobilizam pelas suas ideias, mas também pelo seu exemplo. Os que são capazes de fazer os outros acreditar e aderir a projectos inovadores e transformadores. Os que agem por paixão e convicção. Os que tocam os outros por serem coerentes e consequentes. Olho para estes e percebo que muitos são exactamente ao contrário do que vem nos livros por não usarem conscientemente os seus créditos, mas apenas credibilizarem tudo o que fazem pela maneira como o fazem. E sempre que vejo um grande tímido influenciar uma turma inteira percebo que esta história do carisma tem muito que se lhe diga. E reforço o ponto de interrogação.