O dia era 2 de outubro, o ano 2009. Na praia de Copacabana, 30 mil pessoas esperavam com ansiedade a abertura do envelope que daria início ao sonho olímpico do Rio de Janeiro. Em Copenhaga, local escolhido pelo Comité Olímpico Internacional (COI) para o anúncio da cidade que sediaria os Jogos Olímpicos de 2016, Pelé, Gustavo “Guga” Kuerten e Lula da Silva não tiravam os olhos das mãos de Jacques Rogge, então presidente do COI, para ver se ele lia o nome da cidade brasileira como destino escolhido para receber a maior competição desportiva do mundo. A resposta veio com sotaque estrangeiro. “Riô dê Janêro”. O Comité Olímpico Brasileiro saltava de alegria, tal qual estivesse a celebrar um golo numa final de um Mundial, acompanhado pela multidão na capital carioca.”Copacabana explode”, dizia-se na televisão.
Sete anos depois, a alegria enfrenta um choque de realidade por todos os desafios urbanísticos, desportivos e sociais que o Rio de Janeiro tem de superar para receber os Jogos. Obras de mobilidade, construção de arenas, revitalização de áreas “menos nobres” e alteração de estratégias para garantir a segurança na cidade fizeram parte da rotina diária dos cariocas nestes 7 anos, alimentada pelo debate sobre o custo do evento nos bolsos da população, numa época em que a economia do Brasil luta contra a recessão e a política do país vive já em crise absoluta.
O maior desafio do Rio de Janeiro durante o seu ciclo olímpico tem sido convencer os próprios cariocas do “legado” do evento para a cidade. De acordo com uma sondagem realizada pelo Sesc RJ e pela FGV Projetos, publicada pelo jornal “O Globo”, 49% dos habitantes do Rio dizem-se favoráveis à realização dos Jogos Olímpicos, enquanto 31% dizem-se contra e 19% não têm opinião. Questionados sobre se a cidade está preparada para receber o evento, 49% dos entrevistados acreditam que sim, 39% dizem que está pouco preparada e 12% acham que não está nada preparada.
Os organismos responsáveis pela sondagem entrevistaram 2.400 pessoas, de 19 de maio a 1 de junho. Apesar de não haver registo anterior ou posterior da FGV Projetos sobre a opinião dos cariocas em relação aos Jogos Olímpicos, os números apontam para um “otimismo contido”. Mas o que preocupa de facto os cariocas? Como tem o evento mudado o seu dia-a-dia?
Ao longo do mês de julho, o Observador conversou com alguns cariocas e pediu para que fossem comentando algumas das principais notícias relacionadas com a realização dos Jogos Olímpicos, para entender se o Rio de Janeiro está preparado para a competição e como o evento mudou ou vai mudar o seu quotidiano. Entre os temas da conversa, estiveram a segurança, o zika, os transportes, as obras e o estado de calamidade pública decretado pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, por causa da crise financeira.

Palco montado na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, a 2 de outubro de 2009, para acompanhar o resultado da votação que escolheu a cidade carioca como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 (Satiro Sodre/AFP/Getty Images)
Dos entrevistados, apenas Bruna Tenório (29 anos, jornalista) disse ter comprado bilhetes para ver alguma das provas em direto. “Até então não tinha comprado nada, nem entrado em sorteios, pois os preços me pareciam muito altos. Ontem comprei para assistir ao basquetebol feminino e vou aproveitar para levar o meu pai, que foi quem me apresentou e me ensinou a acompanhar os Jogos Olímpicos”, afirmou. Já Ana Carolina Barbosa Borges (33 anos, secretária escolar) e Rebeca Bolite (32 anos, editora de livros), disseram que vão ver os Jogos em casa. Clayton Fernandes Micas (analista de suportes informáticos) não pretende sequer acompanhar o evento.
Todos disseram preocupar-se com a segurança e com a disseminação do vírus zika na cidade, mas minimizaram os problemas. “Durante as Olimpíadas, o policiamento será feito tanto pelos policiais militares do Estado quanto pelo Exército. Então acredito que a segurança será melhor”, defende Rebeca, sobre o aumento da presença da polícia nas ruas da cidade. Sobre o zika, Ana Carolina garante: “Tem feito bastante frio nessas últimas semanas e tem chovido pouco, o que diminui a proliferação do mosquito. Acho que acabar com ele [o mosquito transmissor do vírus] é impossível, mas há campanhas maciças sobre como acabar com os focos e as pessoas estão muito bem informadas sobre isso”.
Há, contudo, um problema que inquieta os entrevistados: o sistema de transportes públicos. Para ligar a cidade aos locais de provas, foram realizadas obras que reconfiguraram a maneira como os cariocas se deslocam pela cidade – nem sempre com benefício imediato para os habitantes, segundo os entrevistados. “Os transportes públicos ainda têm muito que melhorar, estão sempre lotados e acima de suas capacidades, o trânsito está um caos e as obras não ajudam em nada. Só vamos obter algum resultado satisfatório quando todas essas obras que estão espalhadas pelo estado ficarem concluídas”, assegura Clayton. “Antes, eu pegava um único ônibus [autocarro] da minha casa até ao meu trabalho. Atualmente, pego três ônibus na ida e três na volta. Mas a prefeitura permite que as mesmas empresas de ônibus mantenham carros ‘de viagem’ fazendo o mesmo trajeto que as linhas antigas faziam, porém cobrando um preço abusivo (R$14,50) [cerca de 4,00 euros]”, denuncia Bruna.
Mas nem tudo é motivo para pessimismo. Na própria sondagem do Sesc RJ e a FGV Projetos, 61% dos cariocas disseram acreditar no sucesso dos Jogos Olímpicos, apesar dos problemas e desafios, enquanto 27% vaticinaram que o evento será “um fracasso”; 12% não sabiam ou não responderam. Rebeca alinha com a sondagem. “Eu e os meus amigos somos bastante realistas com relação a tudo isso e temos um pensamento muito crítico. Mas acredito que não haverá nenhum contratempo e que as coisas acontecerão como devem”. Ana Carolina é mais pragmática. “Em geral, vejo as pessoas animadas para ficar em casa nos feriados. A chama chegou com a tocha. Mas o espírito olímpico ainda não baixou por aqui não.”

Os entrevistados, no sentido dos ponteiros do relógio: Ana Carolina Barbosa Borges, Rebeca Bolite, Clayton Fernandes Micas e Bruna Tenório
Quais são os aspetos positivos e negativos da cidade do Rio de Janeiro que vão ficar mais expostos?
“A política de segurança do estado é voltada para a consequência em vez da causa”
Ana Carolina Barbosa Borges: O que mais temos de positivo é a simpatia, a alegria e calor humano do carioca e do brasileiro em si. Mesmo em situações adversas e desagradáveis, mantemos sempre o bom humor e fazemos piadas.
Mas é diferente da Copa do Mundo, que foi no país, e as Olimpíadas serão só no Rio. A criminalidade aumentou significativamente, não me estou a basear em dados, mas no que tenho vivido no dia-a-dia. As pessoas estão com medo de sair de casa. Já vivi várias situações, moro no Rio desde que nasci, já tivemos épocas difíceis, mas não como agora. Porque além da criminalidade crescente, o povo perdeu a fé de que a situação melhore. Não ser assaltado é um privilégio para poucos. Virou “normal” ser assaltado. Acredito que isso não vá melhorar em poucos dias e é perigoso para os turistas, sim. Já roubaram material de TV de um canal alemão… roubaram notebooks. Não tem como achar que essas Olimpíadas vão ser um sucesso, porque não vão.
Trabalho próximo a uma favela em que foi instalada uma UPP [Unidade de Polícia Pacificadora] e que é considerada pacífica. Mas todos os dias há tiroteios. Todos. Não passa na TV, não é noticiado, mas a verdade é que não existe pacificação. Os polícias estão a ser assassinados, os moradores atingidos por balas perdidas… Está bem ruim.
Rebeca Bolite: Aspetos positivos: o potencial turístico da cidade, pelo menos de suas áreas mais nobres; a região perto da praia, as praias propriamente ditas, as poucas áreas que ainda preservam a Mata Atlântica, como a Floresta da Tijuca e o Jardim Botânico, alguns museus e zonas culturais da cidade.
Aspetos negativos: a desigualdade social extrema, a negligência do poder com os transporte públicos, a conservação e limpeza, o trânsito caótico.
Bruna Tenório: Fiquei muito feliz quando a cidade ganhou a oportunidade se ser sede dos Jogos. Lembro-me até hoje do dia, do que fazia (estava no trabalho) e da comoção que gerou nas pessoas. O carioca é um povo muito acolhedor, alegre, vibrante! Acredito que essa seja a melhor lembrança que os estrangeiros vão levar de nós, além da beleza da cidade – que é realmente maravilhosa.
Os pontos negativos que me preocupam são os mais falados mesmo, as questões de segurança pública e de saúde. Mas acredito que, assim como na Copa do Mundo, todos acabarão muito satisfeitos.
Clayton Fernandes Micas: A única coisa boa com isso tudo é gerar fluxos para a economia, de resto não vejo vantagem em nada. Uma cidade cheia atrapalha o trânsito e os transportes.
A greve da polícia preocupou a comunidade internacional. No aeroporto Tom Jobim agentes seguravam uma faixa onde se lia “Bem-vindo ao inferno”. É seguro para os turistas visitarem o Rio de Janeiro?
“O Rio de Janeiro não é uma cidade segura nem para os seus moradores nem para os turistas”

Polícias e bombeiros esperavam os turistas, no Aeroporto Internacional Tom Jobim, com uma faixa onde se lia “Benvindo ao inferno”, durante uma greve, em junho. Em causa estavam o atraso no pagamento dos salários e o protesto para melhorar as condições de trabalho (VANDERLEI ALMEIDA/AFP/Getty Images)
Ana Carolina: Não, não é seguro. Não é seguro para nós que somos moradores e que conhecemos bem a cidade, imagine-se para as pessoas de fora que não a conhecem?
Na Copa [Mundial de futebol], não tivemos nenhum grande incidente, mas além de ser no país inteiro, é obviamente um evento de menor proporção. Desta vez tenho medo. Prefiro resguardar-me. Todos os que conheço e com quem converso sobre esse assunto têm o mesmo medo. As pessoas que têm um pouco mais de noção do que se passa no mundo aconselham a que se evite o metro e as áreas com grande circulação de pessoas. O Brasil não tem problemas com nenhum país, mas há países que têm entre si. E a maioria estará aqui.
Rebeca: Infelizmente, o Rio de Janeiro não é uma cidade segura nem para os seus moradores nem para os turistas. A extrema desigualdade social, somada à geografia da cidade, faz com que áreas muito pobres e muito ricas da cidade sejam vizinhas. Acrescente-se a isso a questão do tráfico de armas na cidade e das milícias. Além disso, a política de segurança do estado é voltada para a consequência em vez de se virar para a causa (não se pensa em melhorar a condição dos jovens através de educação, só em prendê-los) e temos o cenário atual: assaltos à mão armada e confrontos entre polícias e bandidos. Nas regiões pobres mais afastadas da parte nobre da cidade esses conflitos são ainda piores e os intensos tiroteios colocam a vida de inocentes em risco. As estatísticas são comparáveis às de guerras civis.
De qualquer forma, durante as Olimpíadas o policiamento será feito tanto pelos polícias militares do Estado, como pelo Exército. Por isso acredito que, durante os Jogos Olímpicos, a segurança seja melhor.
Bruna: Estamos passando por um momento muito delicado na cidade, com o governo do Estado numa situação muito complexa – talvez como nunca antes tinha acontecido -, mas um turista está exposto à falta de segurança tanto aqui como em qualquer outra grande cidade do mundo. Acredito muito que a segurança durante os jogos não deixará a desejar.
Clayton: Quanto maior o numero de pessoas, maiores são as possibilidades de acontecer alguma violência ou atentados.
Em maio, um grupo de 150 profissionais de saúde enviou uma carta à Organização Mundial da Saúde a aconselhar que os Jogos fossem adiados ou que mudassem de sede por causa do zika. A cidade tem-se preparado contra o zika?
“Para o turista que ficará em áreas nobres e privilegiadas o perigo é menor”

Um agente municipal de saúde faz o controlo do mosquito transmissor do zika no Sambódromo, em janeiro. O local vai receber as competições de tiro com arco e maratona (CHRISTOPHE SIMON/AFP/Getty Images)
Ana Carolina: Trabalho numa escola e mais ou menos 80% dos alunos e funcionários já tiveram zika. O zika é igual à dengue, no início as pessoas assustaram-se, mas agora é normal. Há também a chikungunya, que tem sintomas muito piores e ninguém fala disso. Muita gente teve zika e logo depois chikungunya. A minha avó, a minha mãe e o meu pai já tiveram há dois, três meses e até agora não recuperaram. Fizeram alarde do zika por causa da microcefalia, mas o assunto morreu. Mas não acho preocupante esse problema. A maioria das pessoas já teve, eu não. Tem feito bastante frio nessas últimas semanas e tem chovido pouco, o que diminui a proliferação do mosquito. Acho que acabar com ele é impossível, mas há campanhas maciças sobre como acabar com os focos, as pessoas estão muito bem informadas.
Rebeca: Não conheço ninguém que tenha sido contaminado, nem nunca tive a doença. Não tive nem dengue, uma doença “clássica” da cidade. A proliferação dos mosquitos transmissores dessas doenças acontece principalmente em regiões pobres da cidade, que não têm saneamento básico. Sim, existe uma epidemia, mas ela é quase que exclusiva dos negligenciados pelo poder público, infelizmente. Para os turistas, que ficarão em áreas nobres e privilegiadas, consideradas turísticas, o perigo é substancialmente menor.
Bruna: A preocupação com o zika é mundial e não restrita ao Rio de Janeiro. Temos no país algumas cidades com números de casos bem mais alarmantes que no Rio, como em algumas cidades do Nordeste, por exemplo. No Rio de Janeiro há uma grande campanha de prevenção ao Aedes aegypt há muitos anos, principalmente entre novembro e março, que são os meses mais quentes. Conheço pessoas que já tiveram zika, mas no meu trabalho e na vila que eu moro não tivemos casos. Só alguns amigos. A prevenção contra o mosquito depende muito da ação de cada cidadão com os cuidados em casa.
Clayton: Já ‘peguei’ zika. O vírus espalhou-se por causa da quantidade de imigrantes no país, principalmente porque não há controlo de nada: entra quem quer.
A queda da ciclovia Tim Maia deixou em alerta as pessoas sobre a qualidade das obras. O Rio beneficiará de alguma das novas obras/construções da cidade?
“Isso tudo é ilusão, não existe legado, essas obras são apenas uma desculpa para roubar cada vez mais dinheiro público”

Trabalhadores fazem a reparação da ciclovia Tim Maia, na sequência da queda de parte do seu trajeto pela força do mar, em abril. O local era parte do chamado “legado olímpico” (YASUYOSHI CHIBA/AFP/Getty Images)
Ana Carolina: Não beneficio ou beneficiarei de nenhuma obra feita para as Olimpíadas. As obras do Pan [Jogos Olímpicos Panamericanos] também não serviram de nada, inclusive a vila do Pan, que foi vendida e onde vivem pessoas, que se está a afundar, pois foi construída em cima de um mangue. Assim como o Engenhão [Estádio Olímpico Nilton Santos], que mal foi inaugurado teve que ser fechado, pois a estrutura ameaçava cair. É esse tipo de planeamento e de obras que os políticos fazem por aqui, a que chamamos maquilhagem.
Rebeca: Não houve muitos benefícios reais e duradouros para a cidade. O prefeito atual, Eduardo Paes, há 7 anos no poder, é um péssimo prefeito, que privilegia os interesses de empreiteiros e empresas que ‘bancam’ ou ‘bancaram’ as suas campanhas e as dos seus aliados. Todas as obras são feitas à pressa, às vezes sem a fiscalização necessária, com materiais muito baratos, com o pensamento em dinheiro e privilégios, não na população, mas nos empreiteiros.
Bruna: Nenhuma das construções me irão beneficiar diretamente ou à minha família. Esse legado beneficia uma parcela dos habitantes da cidade, mas não tanto os moradores de regiões periféricas.
Clayton: Isto tudo é ilusão, não existe legado. As Olimpíadas são apenas uma desculpa para roubar cada vez mais dinheiro público, o nosso país não precisa de herdar infraestruturas desportivas, mas sim coisas de utilidade pública nas áreas da educação, saúde, e segurança.
A prefeitura do Rio de Janeiro fez diversas obras para criar um sistema integrado de transportes públicos. Mas os moradores reclamam das constantes mudanças e temem congestionamentos e sobrelotação nos dias do evento…
“O transporte público ainda tem muito que melhorar, vivem sobrelotados e acima de suas capacidades”

Construção da estação São Conrado, parte da linha 4 do metro do Rio de Janeiro. A linha foi inaugurada este domingo e é considerada um dos principais projetos de mobilidade realizados para os Jogos Olímpicos (CHRISTOPHE SIMON/AFP/Getty Images)
Ana Carolina: O que aconteceu por aqui? Fizeram o BRT e acabaram com a maioria das linhas de ônibus [autocarros]. Para chegar, por exemplo, de onde moro a um lugar na Ilha do Governador, bairro onde fica o aeroporto internacional, sou obrigada a pegar o BRT e mais um outro ônibus. Lugares onde íamos só numa só linha de ônibus, agora precisamos de apanhar dois ou três, o que fez aumentar o tempo de viagem e consequentemente piora a qualidade de vida. A verdade é que esse prefeito acabou com a cidade. Vejo todo mundo reclamando de tudo. Ele aumentou o valor dos bilhetes alegando que vai colocar ar condicionado em todos os veículos até 2016. Ando de ônibus que ainda não têm. E já estamos pagando por isso.
Tenho sorte de trabalhar perto de casa. Ganho mal, mas pelo menos não perco horas do dia indo e vindo do trabalho, como a maioria das pessoas. Não sei como será nos dias das Olimpíadas, mas há vários dias feriados e as escolas estarão de férias, para evitar congestionamentos.
O dicionário da mobilidade olímpica no Rio de Janeiro
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BRT
BRT (Bus Rapid Transit, Transporte Rápido por Ônibus em português) é uma via exclusiva para autocarros. Os veículos apresentam algumas características semelhantes aos elétricos mais modernos, como a cobrança do bilhete a realizar-se fora do veículo, embarque no nível do piso do autocarro e diversas portas para entrada e saída de passageiros.
Há três BRTs dedicados aos Jogos Olímpicos. É o caso da BRT Transolímpica, inaugurada em julho, que durante o evento será utilizada exclusivamente por atletas, imprensa e turistas. Há ainda as BRTs Transoeste e Transcarioca, em funcionamento desde 2012 e 2014, respetivamente.
VTL
VTL (Light Rail Vehicle, Veículo Leve sobre Trilhos em português) é uma espécie de elétrico moderno ou metro “na superfície”, que geralmente opera sobre uma faixa de trânsito exclusiva. O VLT do Rio de Janeiro foi inaugurado a 5 de junho com o objetivo de ligar a Rodoviária Novo Rio ao Aeroporto Santos Dumont, no centro da cidade, com alguns terminais ainda em construção.
A Prefeitura do Rio de Janeiro espera que o uso do VLT reduza pelo menos 60% dos autocarros e 15% dos carros que circulam no trajeto, quando estiver a funcionar plenamente.
Rebeca: As mudanças afetaram a minha vida. Mas os mais prejudicados são os moradores de áreas mais afastadas do Centro, que agora precisam de apanhar mais ônibus, gastando mais dinheiro. As alterações nas linhas e no número de ônibus nas ruas não visam melhorar a vida da população. As empresas de ônibus, juntamente com os grandes empreiteiros, são as grandes financiadoras de campanhas do partido do atual prefeito Eduardo Paes e dos seus aliados. Por esse motivo, esses BRTs, a Transolímpica e a Transoeste são vias de transporte rodoviário. Mas os ônibus não são transportes de massa. Transporte de massa é trem [comboio].
Os transportes públicos na cidade do Rio estão um caos. 1) O preço é altíssimo se considerarmos a média de ordenados da população da cidade. 2) Os ônibus que servem a população que mora mais longe em geral são muito velhos, com bancos partidos, além de terem diversos problemas mecânicos. 3) Como uma empresa privada visa unicamente o lucro, o treino dos motoristas é bastante precário, conduzem de forma perigosa, pois precisam cumprir horários… além do facto de serem orientados a não parar nas paragens para as pessoas que têm direito a passes gratuitos (idosos, deficientes e estudantes de escolas públicas). 4) Ao contrário do que seria normal, o cartão, conhecido como RioCard não dá nenhum tipo de desconto. 5) Existem diversas propostas para que se abra uma investigação às contas dessas empresas, mas o prefeito veta sempre. Supõe-se que haja bastantes coisas ilícitas entre essas empresas e a prefeitura.
Resumindo: os transportes são bastantes ruins. A população já espera que a cidade como um todo não funcione normalmente durante os Jogos. Assim como não funcionou durante a Copa do Mundo e nas Jornada Mundiais da Juventude.

Construção da BRT TransOlímpica, em abril, que vai passar por bairros que concentram as competições dos Jogos Olímpicos. Durante o evento, é restrita apenas a atletas, imprensa e turistas (YASUYOSHI CHIBA/AFP/Getty Images)
Bruna: Talvez o sistema de transportes da cidade seja a minha maior crítica à prefeitura. Sou usuária do BRT Transoeste (que não considerei como legado, pois já está em funcionamento há alguns anos) e tenho muitas críticas ao sistema. Trabalho na Barra da Tijuca e moro em Campo Grande – ambos são bairros da zona oeste – e antes do BRT, apanhava um único ônibus da minha casa ao meu trabalho. Atualmente, pego três na ida e três na volta. Em contrapartida, a prefeitura permite que as mesmas empresas mantenham carros “de viagem” – com bancos estofados, cadeiras reclináveis e ar condicionado – a que chamamos de “frescão”, a fazer o mesmo trajeto que as linhas antigas faziam, mas cobrando um preço abusivo (R$14,50) [cerca de 4,00 euros]. Ou seja, ou pago uma passagem – que é o que recebo do meu empregador — de R$ 3,80) [cerca de 1,04 euros] para pegar três ônibus – ou pago R$14,50 para pegar um ônibus direto – verba que nenhuma empresa paga aos funcionários.
O projeto do BRT Transoeste apresenta inúmeras falhas, inclusive estações que são erros totais. Existe uma estação que custou 1,5 milhão [de reais, cerca de 414 mil euros] que nunca foi utilizada.
As mudanças nos ônibus da zona sul e centro também deram um nó na cabeça de toda a população. Linhas que existiam há anos foram cortadas com o discurso que isso iria otimizar o trânsito, quando na verdade vemos o mesmo número de carros circulando nas “novas linhas”. A cidade é completamente refém da máfia das empresas de ônibus.
Clayton: Os transportes públicos ainda têm muito que melhorar, vivem sobrelotados e acima de suas capacidades, o sistema de trânsito está um caos, e as obras não ajudam em nada. Só vamos obter algum resultado quando todas as obras fiquem concluídas.
Em junho, o governador do Rio de Janeiro decretou estado de calamidade pública devido, entre outras coisas, a dificuldades no pagamento de obras dos Jogos Olímpicos. O dinheiro público foi bem empregue?
“O dinheiro não foi bem empregue. O partido do prefeito tem acordos com as grandes construtoras”

O governador em exercício do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, declarou o estado de calamidade devido à “grave crise financeira no Estado do Rio de Janeiro, que impede o cumprimento das obrigações assumidas em decorrência da realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016” (Mario Tama/Getty Images)
Ana Carolina: Todos sabem que desde sempre há roubos. Eles contratam por 90 vezes um valor que seria “x”. Sempre funcionou assim, todo o mundo sabe disso. Eles roubaram o que tinha e o que não tinha. A saúde está péssima, a educação péssima, as pessoas estão sem receber. A minha mãe é funcionária do Estado e está a receber metade do salário. Tem pessoas que nem recebem. Como querem que as pessoas vivam? Mas o salário dos políticos só aumenta e continuam recebendo. Pagam aos políticos, mas os enfermeiros e médicos, bombeiros e polícias estão sem receber. Enquanto o Japão sofre desastres e se recupera em dias, aqui a gente vive o desastre e não vê recuperação. Não tínhamos condições de ter aqui as Olimpíadas. Pode ser que dê certo, mas vai rolar muita macumba saravá para salvar a gente.
Rebeca: O partido do prefeito tem acordos com as grandes construtoras. A ideia é que tenham sempre trabalho. As construções feitas para os jogos Panamericanos de 2007 precisaram de ser refeitas ou foram demolidas para construir novas. O metro – que não é responsabilidade da prefeitura e sim do governo estadual – não ficou pronto, apesar de ter custado quatro vezes mais do que o previsto. E para piorar, grande parte das obras feitas com dinheiro público, depois de prontas, são passadas para os privados, para que lucrem com elas.
Bruna: Não estou contra os Jogos, acredito que são importantes para cidade, mas sou contra o “desgoverno” do PMDB nos últimos anos. Um governo claramente corrupto que poderia ter feito muito mais pela saúde e educação e não fez.
Clayton: O dinheiro público nunca é bem distribuído no nosso país. Os governantes sempre ‘superfaturam’ as obras e cria-se um circulo vicioso de desfalque nos cofres públicos.
Apesar dos problemas e preocupações com a cidade, 61% dos moradores acreditam no sucesso dos Jogos. Já se sente o “espírito olímpico” no Rio?
“Conheço muita gente que vai fugir nesta época e vai viajar”

(Buda Mendes/Getty Images)
Ana Carolina: Sempre gostei de Olimpíadas. É muito bom torcer, ver o empenho dos atletas. Conheço muita gente que vai fugir nesta época e vai viajar. Outras pessoas conseguiram comprar um ou outro bilhete para assistir às provas. Em geral, vejo as pessoas animadas por ficar em casa nos feriados. A chama chegou com a tocha. Mas o espírito olímpico ainda não baixou por aqui não.
Rebeca: Eu e os meus amigos somos bastante realistas em relação a tudo isso e temos um pensamento muito crítico. Mas acredito que não haverá nenhum contratempo e que as coisas acontecerão naturalmente.
Bruna: O brasileiro é um povo muito feliz. Um povo que sofre, mas que tenta tirar o melhor dos bons momentos. Ainda não estou muito contagiada, mas só de ver alguma coisa sobre os Jogos na televisão já dá aquele friozinho na barriga e a ansiedade de saber como tudo vai ser e toda essa troca de culturas que teremos na nossa própria casa. Estamos num momento delicado no país, que certamente não é o mais propício para receber uma competição deste porte, mas acredito que essa edição será histórica, justamente pela nossa capacidade de superar e vencer grandes obstáculos.
Clayton: Na minha humilde opinião, com todos os problemas que estamos enfrentando na saúde, educação e segurança, os Jogos deveriam ser cancelados. Porque um país onde todos os políticos estão envolvidos em escândalos de lavagem de dinheiro, não deveria ter esse tipo de evento. Os Jogos só não são cancelados porque muitos irão perder rios de dinheiro. Mas o que muitos não se dão conta e não se importam nem um pouco é com integridade e o bem-estar da população.