“Macbeth”

Se William Shakespeare visse o que o australiano Justin Kurzel lhes fez ao “Macbeth”, tinha uma coisinha má. Nesta nova versão cinematográfica da “peça escocesa”, o realizador optou por carregar na violência sangrenta e filmada em câmara lenta por um lado, e pôr os atores a murmurar o texto pelo outro. Isto não só o torna praticamente inaudível por vezes, como também lhe nega a modulação dramática, abafa a dimensão trágica e o elemento tenebroso da história e enfraquece a identidade das personagens (por exemplo, Lady Macbeth, a verdadeira vilã de “Macbeth”, perde quase toda a sua intensidade maligna). Até as Três Bruxas são privadas da sua essência sobrenatural e transformadas num trio de “zombies” rústicas deslavadas. Um desperdício de bons atores (Michael Fassbender, Marion Cotillard, David Thewlis) e da paisagem agreste da Escócia, o filme não pode aspirar nem a chegar à planta dos pés dos grandes “Macbeth” do cinema: o do Orson Welles, de 1948, o de Roman Polanski, de 1971, e a versão japonesa de Akira Kurosawa, “O Trono de Sangue” (1957).

“Truman”

Esta co-produção hispano-argentina realizada pelo espanhol Cesc Gay não tem nada a ver com o presidente norte-americano Harry S. Truman. O Truman do título é o fiel cão de Julian, um ator argentino radicado em Madrid (interpretado pelo grande Ricardo Darin, de “Nove Rainhas”, “O Filho da Noiva” e “O Segredo dos Seus Olhos”) que está a morrer de cancro e quer estar pela última vez com o seu grande amigo Tomas (Javier Camara), um professor universitário, que vem do Canadá para o tentar convencer a retomar os tratamentos. Só que Julian diz: “Cada pessoa morre o melhor que pode”, e além de não querer passar pelo sofrimento e pelas indignidades da fase final da doença, pretende deixar a vida arrumada antes de partir. Cesc Gay assina aqui uma comédia dramática melancólica, calmamente realista e sempre contidamente emotiva, sem sombra de “clichés”, piedades e otimismos hipócritas de “filme de doença terminal”, ou de convulsões melodramáticas forçadas. Darin e Camara são excelentes, e a forma como o realizador usa o cão Truman como correlativo da amizade entre as suas respetivas personagens é subtil e comovente.

O Homem da Câmara de Filmar

O ciclo Grande Cinema Russo-Do Mudo à Perestroika, que decorre até julho em Lisboa no Espaço Nimas e no Porto no Teatro Campo Alegre, composto por 19 filmes em cópias digitais novas, abre hoje na capital com a exibição, hoje e amanhã, deste documentário vertiginoso e vanguardista realizado por Dziga Vertov em 1929. A fita capta um dia do quotidiano de trabalho e de lazer dos habitantes de quatro grandes cidades da União Soviética pelo “homem da câmara de filmar” do título, Mikhail Kaufman, irmão mais novo de Vertov (de seu verdadeiro nome David Kaufman), que o filma por sua vez, recorrendo a um estonteante arsenal de técnicas e truncagens visuais, algumas delas aqui experimentadas pela primeira vez. É uma obra-prima do documentarismo, de propaganda e de experimentação esfusiante e sem barreiras de tudo aquilo que se pode fazer com uma câmara de cinema e a subsequente montagem das imagens captadas, expressando uma criatividade infinitamente ousada e otimista, associada ao entusiasmo artístico-ideológico dos primeiros tempos da revolução comunista. Este seria em breve cortado pela raiz pelo apertar do controlo estatal e pelo advento do Realismo Socialista, de que a filmografia seguinte de Vertov também se ressentiria.

“Suburra”

Na Roma antiga, o bairro de Suburra era uma zona mal-afamada de tabernas e bordéis, onde se faziam negócios escuros com a participação de figuras gradas das grandes famílias romanas. E é também o título deste “thriller” político de Stefano Solima, passado em 2011, uma semana antes da queda do governo de Berlusconi, e adaptado do livro homónimo de Carlo Bonini e Giancarlo De Cataldo, o autor de “Romanzo Criminale”, que o mesmo Solima transformou numa série televisiva, após ter sido filmado por Michele Placido. Políticos, famílias mafiosas e até eclesiásticos estão unidos para concretizar um negócio milionário: a transformação da zona portuária degradada de Ostia numa versão romana de Las Vegas, após uma votação decisiva no parlamento. Só que um acontecimento imprevisto, envolvendo um poderoso deputado, duas prostitutas e o chulo mafioso rasca destas, ameaça deitar tudo a perder. “Suburra” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.