Simone Biles estava de volta, para o solo, depois da desilusão na véspera — conseguiu apenas o bronze na trave. Toda a gente sabia que seria ouro, se nada de estranho acontecesse (como no dia anterior). E não aconteceu. Simone encheu o pavilhão, mereceu ovação de pé e mordeu o ouro, depois do movimento que inventou e que lhe vale o céu: “The Biles”.
Durante a primeira rotina da competição estava a passar um rolo nas pernas. Ora se levantava, ora se sentava. Não olhava muito para o local da ação. De quando em vez os olhos lá se perdiam e encontravam o que a fascina: a ginástica. Estava focada, mas porventura tensa por ter falhado na véspera. Foi colocada no patamar de Latynina e Comaneci ainda antes de os Jogos Olímpicos começarem, por isso era tempo de confirmar tudo.
A seguir à italiana Vanessa Ferrari atuar despiu o casaco e as calças. Parece um ritual, com tudo cronometrado. A vestimenta era azul, com branco espalhado pelos ombros e costas. Tinha muitos brilhantes no peito, talvez para lembrar que é a princesa da tarde naquela arena. Alongava e aquecia, estava quase. Quando se ouviu “Pretty Woman” na rotina da britânica Amy Tinkler, que ficaria em terceiro, deu uns murros nas pernas, ao ritmo da música.
Bebeu um gole de água e desligou-se das rivais. Parecia olhar para o infinito. Estaria a pensar no que se passou no dia anterior? Naquele momento em que escorregou depois de um mortal frontal, que lhe roubou a oportunidade de varrer os cinco ouros? Terminada a rotina de Tinkler, caminhou para o centro do mundo naquele momento, abrindo e esticando os braços.
Dificuldade e pontuação
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- Simone Biles: 6.900/15.966
- Alexandra Raisman: 6.600/15.500
- Amy Tinkler: 6.400/14.933
E lá entrou no seu sítio preferido, depois de a britânica receber a pontuação que lhe dava a liderança. Simone Biles recebeu uma ovação brutal, respirou fundo, deu o mote para o arranque da rotina e juntou-lhe um sorriso. A música tinha ritmo, cheirava a Brasil. O público gostava. Quando começou a tocar “Mas que nada”, Simone passou a mão pelo cabelo e pelo rosto, num movimento sensual. O público gostava muito parte II.
Tudo corria como era suposto até que era altura de colocar em prática o famoso “The Biles”. Parece que o tempo parou, estávamos numa qualquer realidade paralela. Biles parecia voar. E aterrou bem. Recebeu muitas palmas, que ecoavam na arena. No final mereceu uma ovação de pé. Saiu a correr, disse adeus, sorriu e abraçou a treinadora. Estava feliz. A luz era outra. Mesmo na zona mista surgiria com outra cara, falava alto, era a estrela da tarde. Na véspera estava com o rosto fechado, com o olhar dorido.
Simone Biles venceu o ouro no solo com 15.966 pontos, à frente de Alexandra Raisman (15.500) e Amy Tinkler (14.933). A norte-americana, o maior prodígio da ginástica artística, mandava beijinhos, oferecia grandes bonecos para os fotógrafos. Esticou o indicador: é a número 1. Ela sabe-o…
Durante o hino norte-americano, com a mão direita no peito, não desviou nem por um segundo o olhar da bandeira que subia na vida como ela sobe. Simone Biles rejeitou há dias a ideia de que era o novo Phelps ou o novo Bolt, disse que era antes a nova Simone Biles. O “The Biles” de Biles encantou o Rio de Janeiro.

(TOSHIFUMI KITAMURA/AFP/Getty Images)
Na zona mista pararia tudo, todas as perguntas, para ver um compatriota na televisão. Deu a mão à outra norte-americana que esteve no pódio, Raisman, e ficou a torcer por um par de minutos. “Foi alto!? Ohhhh, bom trabalho. Ele esteve bem! É segundo, ele ficou em segundo!”, dizia, com um ar feliz, genuíno.
A menina de 19 anos meteu ao bolso quatro medalhas de ouro e uma de bronze. Divertiu-se muito, segundo Martha Karolyi, a treinadora nacional e uma das responsáveis pelo sucesso de Nadia Comaneci e do seu perfect ten em 1976. É que Karolyi diz que ganhar medalhas é muito divertido…