Não é propriamente um segredo, mas coloca um problema inédito à sociedade japonesa: aos 82 anos, o imperador Akihito quer reformar-se.
O papel de imperador no Japão já não tem o peso de outros tempos, quando era líder supremo de um império poderoso e temido. Hoje, é um meramente simbólico, gerido de forma apolítica, o que é bem recebido pela população. Mestre-de-cerimónias ou não, a verdade é que o descanso não é uma opção.
No Japão, a lei determina que o imperador sirva o Japão até à sua morte e os líderes do Japão não parecem inclinados a deixar que o imperador abdique. Como são eles quem têm a chave na mão para este privilégio que muitos dão como garantido, a vida de Akihito não parece muito facilitada.
Esta madrugada, o imperador decidiu falar pela primeira vez para o efeito. Numa mensagem pré-gravada que foi transmitida na televisão japonesa, o imperador relembrou os seus problemas de saúde, depois de já ter lutado contra um cancro e ainda enfrentar problemas cardíacos.
“Receio que se tornará cada vez mais difícil para mim cumprir os meus deveres com imperador simbólico”, afirmou, num discurso transmitido nas televisões japonesas, citado pelo New York Times.
Não foi a primeira vez que Akihito deu a entender que queria abdicar, mas esta foi a primeira mensagem dirigida para o efeito, sempre de uma forma tipicamente japonesa: indiretamente, já que as leis não lhe permitem dirigir-se ao assunto e pedir diretamente o que pretende.
Ainda que simbólico, o papel do imperador continua a definir o calendário único japonês, agrupado por eras. Este é o 28.º ano da era de Heisei, que compreende os anos do reinado de Akihito. Quando este for substituído, a contagem começa de novo e será então o primeiro ano de uma nova era.
A questão legal é ela também complexa, uma vez que a lei japonesa não contempla a possibilidade de abandono de um imperador do seu dever para com o império, exceto com a sua morte. Como o imperador não pode sugerir uma mudança direta na lei, o seu discurso televisivo foi, na prática, um apelo indireto para que essa mudança seja feita pelo Parlamento japonês.
Outra das questões que se colocam é a possibilidade de vir a ser nomeada para o cargo uma mulher, algo inédito e de difícil aceitação para a sociedade japonesa, muito conservadora nas tradições que envolvem a sua família real, a mais antiga do mundo, com uma linhagem cujo início estima-se que tenha acontecido há 2700 anos.
Na sequência da comunicação ao país, o primeiro-ministro conservador Shinzo Abe disse que iria levar em conta “seriamente” as declarações do imperador e discutir o que pode ser feito nesta situação. O povo japonês, em especial os mais novos, parecem favoráveis às pretensões do imperador, com uma sondagem recente na imprensa japonesa a dar conta que 85% dos inquiridos seriam favoráveis à renúncia.
“Compreendo as suas preocupações e deveríamos pensar seriamente o que podemos fazer para ajudar”, afirmou o primeiro-ministro.
No entanto, os mais conservadores não estão de acordo e do seu lado tem a lei. A Constituição pacifista que saiu da Segunda Guerra Mundial limita o imperador a um papel de mestre-de-cerimónias, mas nos últimos anos têm sido dadas indicações que esta pode vir a ser alterada, até para flexibilizar algumas restrições sobre a capacidade do exército japonês devido às ameaças da região, em especial do diferendo com a China.