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"A União Europeia pode não ser irreversível, mas é quase"

Em entrevista ao Observador e à Rádio Renascença, o economista norte-americano Barry Eichengreen diz que será o Reino Unido e a Itália quem mais sairá prejudicado com o Brexit.

Não estava à espera do resultado do referendo que deu a vitória ao Brexit e não está certo que o Reino Unido saia efetivamente da União Europeia. Mas diz que é preciso levar a sério ameaças como a de Donald Trump, nos Estados Unidos, cuja eleição considera tão provável como a saída do Reino Unido da União Europeia. Em entrevista ao Observador e à Rádio Renascença, o economista norte-americano Barry Eichengreen defende que é muito difícil desmantelar a União Europeia.

O economista da Universidade de Berkeley, um dos mais cotados do mundo, esteve em Sintra para participar no Fórum do Banco Central Europeu. Defendeu mudanças na União Europeia e alertou para a situação de Itália, país que considera, a par do Reino Unido, o mais prejudicado com o Brexit, devido à situação dos seus bancos.

Não houve discussão do Brexit durante o Fórum do BCE?
Tivemos uma discussão limitada sobre o Brexit devido a várias coisas. Os locais públicos não são o melhor local para ter esta discussão, além de que já havia um tópico estabelecido muito antes da conferência. Mas as pessoas também ainda estão a esperar para ver. Não sabem como reagir a este tipo de desenvolvimentos. São inesperados, têm implicações de curto prazo que são incertas e têm implicações de longo prazo que são ainda mais incertas. Por isso, não ouvi ninguém a fazer uma análise completa e coerente do que tudo significa.

E qual é a sua opinião sobre este tema?
No curto prazo, acho que as implicações vão ser limitadas a partes isoladas da economia europeia e da economia mundial. Claramente, o Reino Unido vai ser afetado de forma negativa pelo longo período de incerteza, vai arrefecer o investimento e prejudicar o crescimento económico. Em segundo lugar, Itália está a ser muito afetada por causa da fragilidade dos bancos e, tendo em conta que o Banco Central Europeu terá de manter as taxas de juro negativas durante mais tempo, expôs os profundos problemas do sistema bancário italiano. Além disso, as regras europeias impedem o primeiro-ministro Matteo Renzi de utilizar fundos públicos para recapitalizar os bancos, mas acho que, com uma resposta positiva e construtiva, talvez os efeitos negativos fiquem limitados ao Reino Unido e a Itália.

Claramente, o Reino Unido vai ser afetado de forma negativa pelo longo período de incerteza, vai arrefecer o investimento e prejudicar o crescimento económico. Em segundo lugar, Itália está a ser muito afetada por causa da fragilidade dos bancos.

Que tipo de resposta seria necessário?
Permitir alguma flexibilidade e que os italianos lidem com os seus bancos ajudaria, certamente. O Reino Unido tirou de cima da mesa a possibilidade de um orçamento com austeridade, onde aumentariam impostos e cortariam a despesa pública. Isso tem de continuar fora dos planos. O Banco de Inglaterra ainda não indicou se irá reduzir as taxas de juro devido à recessão, ou aumentar as taxas de juro devido à inflação. Penso que o perigo de inflação não existe, é uma ilusão, por isso, se cortarem as taxas de juro isso ajudaria. Também não penso que os alemães e os franceses vão chegar a acordo para aprofundar a integração europeia, pelo contrário, tem de haver um período de reflexão e análise de que tipo de aprofundamento é necessário. Mas dar passos apropriados no Reino Unido e Itália, e dar permissão à Itália para dar esses passos por parte da Comissão Europeia e da União Europeia, seria importante.

Consegue a economia da União Europeia aguentar um período longo de incerteza?
Penso que a economia da União Europeia não tem alternativa. Haverá um período prolongado de incerteza, e isso diz-nos que será preciso dar outros passos para limitar o impacto dessa incerteza na economia. O BCE será chamado a aumentar a compra de ativos, ou a ver se há outras formas de dar mais financiamento aos bancos, mas sabemos que depender mais do banco central terá efeitos limitados porque a política monetária tem sido esticada ao máximo.

O que é que ainda pode ser feito do lado da política monetária?
Acho que há três coisas que podem ser feitas. Em primeiro lugar, mais do que já tem sido feito: um maior volume de compras de ativos, mais financiamento barato para os bancos. Em segundo lugar, um euro mais desvalorizado ajudaria e não há muito que o BCE possa fazer de forma aberta ou clandestina. Intervir no mercado de divisas funcionaria em termos técnicos, mas não resultaria em termos políticos, e penso que é um problema que a zona euro como um todo tenha um grande excedente comercial, por isso, desvalorizar o euro só o tornaria maior e criaria problemas com o resto do mundo. Em terceiro: forward guidance, fazendo um compromisso público de manter as taxas de juro baixas durante mais tempo. Essas são as únicas coisas que os bancos centrais têm ao seu dispor.

As pessoas falam de atirar dinheiro de um helicóptero, mas isso é, na verdade, política orçamental, cortar impostos, fazer com que o banco central financie esse corte de impostos, fazer com que o banco central pague as obrigações que são emitidas para pagar essa conta. Por isso, fundamentalmente, não acredito que atirar dinheiro de um helicóptero faça grande diferença. Não muda o debate. O debate tem de ser sobre se este é o momento adequado para que os países utilizem o espaço orçamental, naqueles países em que têm espaço orçamental. A minha resposta a essa questão é: sim, este é o momento indicado. Porque têm-se registado significativos choques negativos na confiança, no investimento e na coesão da Europa e na Zona Euro. Se o momento certo não é agora, quando será?

É preciso falar do que os europeus querem em termos de integração, o que pode ser diferente do que os líderes querem.

Falou do problema dos bancos italianos. O governo criou um banco mau, algo que o banco central de Portugal defende. Acha que poderia ser a solução?
Eu não sou um especialista no sistema bancário português, não estudei os detalhes. Em teoria, julgo que é o passo adequado separar os créditos não produtivos – os maus ativos – para um veículo e, se necessário, utilizando fundos públicos para assegurar que os bancos limpos estão adequadamente capitalizados. E a seguir reforçar o modelo de governação para não ter de repetir o processo.

Como acha que a Alemanha iria reagir, como líder do projeto europeu?
Até agora, tem reagido de forma cautelosa e acho que não fazer declarações sensacionalistas como ‘os ingleses têm de ser punidos pelo seu voto’ é certamente positivo. Mas agora é preciso haver um debate sobre como aprofundar a integração europeia de uma forma que o público queira. Isso envolve controlar as fronteiras externas da Europa, que os países europeus trabalhem de forma muito mais próxima para lidar com os problemas de política externa na Síria, no Afeganistão, e noutros locais que são a fonte do problema dos refugiados. Talvez aprofundar a União Bancária ainda mais para acrescentar, finalmente, a garantia de depósitos e uma segurança orçamental apropriada para essa garantia de depósitos.

Mas é preciso falar daquilo que os europeus querem em termos de integração, o que pode ser diferente daquilo que os líderes querem. A Alemanha pode estruturar e liderar essa discussão, isso seria positivo. Não tenho uma agenda na cabeça sobre como deve esse aprofundamento da integração ocorrer, não penso que a senhora Merkel e o senhor Hollande saibam, também, mas têm de começar esta discussão de uma forma que, desta vez, inclua o povo europeu e não apenas os líderes.

Acha que mais países podem seguir o caminho do Reino Unido?
Não tenho a certeza que mais países possam seguir o Reino Unido, porque não sabemos para onde o Reino Unido vai. Não estamos, de todo, certos que irão abandonar a União Europeia ao final de dois anos, não sabemos se vão ter eleições legislativas, que tipo de governo sairia de eleições. Aprendemos duas coisas do referendo: em primeiro lugar, existe um profundo sentimento de insatisfação e de alienação da parte do público em relação ao que se passa no mundo. E quando os europeus estão insatisfeitos com o que se passa com o mundo, ficam insatisfeitos com Bruxelas, ou com a União Europeia, em particular. A segunda coisa que aprendemos é que, uma vez na União Europeia ou na zona euro, é mais difícil sair do que as pessoas pensavam. Boris Johnson disse ‘votem pela saída, não há problema. Depois sairemos’. Agora, está a descobrir que não é bem assim. A União Europeia pode não ser irreversível, mas é quase. Desmantelá-la será difícil.

Boris Johnson disse ‘votem pela saída, não há problema. Depois sairemos’ e agora está a descobrir que não é bem assim. A União Europeia pode não ser irreversível, mas é quase. Desmantela-la será difícil.

Acho que o atual nível do debate entre os líderes do Reino Unido e da União Europeia ajuda?
Não há líderes no Reino Unido, de momento. O que ajudará é que iremos ter um verdadeiro debate na Europa, que pode ou não contar com o Reino Unido, mas que será um debate em Portugal, Espanha, França e Alemanha sobre que tipo de União Europeia as pessoas querem e que tipo de União Europeia é viável. Se os europeus valorizam o mercado único, mas estão preocupados com o elevado nível de mobilidade laboral, por exemplo. Este é um exemplo do tipo de debate que tem de acontecer.

Eu sou da opinião que a mobilidade laboral dentro da União Europeia é positiva. As pessoas nos países de destino, e que sofrem como resultado disso, devem ser compensadas pelos seus governos. A Europa precisa de fazer mais em termos de requalificação e de apoio social para as pessoas que se sentem prejudicadas pelos emigrantes. E acho que o facto de o governo britânico não ter fornecido essas coisas ajuda-nos a entender o resultado do referendo.

Qual a importância dos movimentos eurocéticos e que surpresa se pode esperar em Itália?
Sempre que fui questionado sobre o Donald Trump nos últimos seis meses, a minha resposta foi sempre a de que uma presidência Trump era tão improvável como vencer o voto pela saída do Reino Unido da União Europeia. As casas de apostas atribuem-lhe uma probabilidade de vencer de apenas um em cinco.

O que acha agora?
Acho que continua a ser verdade e que um em cinco é muito preocupante. Temos de encarar este perigo seriamente. Muitos de nós não tomámos como séria a possibilidade de um Brexit. As sondagens andaram para trás e para a frente, mas as opiniões ‘inteligentes’ continuavam convencidas de que a permanência venceria o referendo no Reino Unido. A situação é semelhante nos Estados Unidos com a campanha Clinton/Trump. Temos de pensar e preocuparmo-nos seriamente sobre o que se está a passar. Julgo que existem muitos paralelos: são os votantes menos instruídos, mais velhos e os trabalhadores do centro do país que sentem que foram deixados para trás que apoiam a campanha de Donald Trump, da mesma forma que no Reino Unido apoiavam a saída.

Sempre que fui questionado sobre o Donald Trump nos últimos seis meses, a minha resposta foi sempre que uma presidência Trump era tão improvável como o voto vencer o voto pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Disse que tínhamos de ter um novo acordo da política monetária no mundo. O FMI não funciona? Por que temos de reformar?
Acho que a volatilidade dos fluxos de capitais com que temos tentado lidar nas últimas décadas continua connosco. Temos tentado fortalecer a regulação, os bancos centrais estão a acumular reservas e os seus balanços continuam a crescer, mas os fluxos de capitais estão cada vez maiores e as reversões desses fluxos, quando acontecem, estão a tornar-se maiores e mais violentas. Temos ‘airbags’ maiores para lidar com uma paragem súbita, mas as paragens súbitas estão a ficar cada vez mais violentas ao mesmo tempo que temos estado a desenvolver a proteção.

Ainda estamos no mesmo ponto que temos estado sempre. Os países ainda estão dramaticamente relutantes em pedir ajuda ao FMI quando precisam, devido ao estigma que existe. O que mostra que o FMI ainda é uma instituição profundamente política, onde os EUA e a Europa têm vozes poderosas e onde os países emergentes sentem que não têm. Por isso, é preciso reformar a governação do FMI e dar mais independência da política à gestão para que possam tomar decisões de uma forma mais parecida com o processo de decisões de um banco central.

Precisamos de um novo Bretton Woods?
Acho que precisamos de um acordo para reformar o FMI. Quando as pessoas falam num novo Bretton Woods pensam num novo sistema de taxas de câmbio fixas. Não defenderia isso, mas acho que o FMI continua a usar menos força do que aquela que tem, dependemos dele muito pouco e isso reflete o facto de continuar a ser uma instituição profundamente política e politizada, que não tem a independência de um banco central, e até que o tenha, os países vão continuar relutantes em pedir ajuda.

E a reforma das quotas de 2010?
Acho que não é suficiente. Foi um passo pequeno na direção certa, que dá um maior equilíbrio à gestão e ao FMI mais recursos, modestamente, mas quando se compara o aumento nos recursos do FMI com o aumento dos fluxos de capital e o aumento dos passivos externos das economias, não é suficiente, é apenas um passo na direção certa.

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