Opinião
Sistemas em coexistência
Originalmente, os sistemas de Segurança Social eram dominados por regimes de repartição com benefício definido. No presente, a tendência aponta para sistemas de capitalização com contributo definido.
Enquanto os primeiros são fundados na solidariedade intergeracional, através da qual as gerações mais novas financiam os encargos com as pensões de reformas das gerações mais velhas, as quais conheciam com certeza o valor da pensão a auferir; os segundos assentam na constituição de contas individuais associadas às contribuições do futuro beneficiário ao longo da sua vida contributiva, em que as entregas são conhecidas, mas o benefício futuro dependerá da valorização dos ativos em que o cúmulo das contribuições terá sido investido.
O formato de capitalização, que na atualidade rege os esquemas de Segurança Social predominantes nos países nórdicos, prevê a existência de plafonamento. Por conseguinte, para além da contribuição obrigatória para suportar um patamar mínimo de pensões e as responsabilidades com os regimes não-contributivos, identificados com esquemas de repartição e benefício definido, os trabalhadores têm compulsoriamente de contribuir para fundos de pensões públicos ou privados de modo a completar a sua pensão futura. Adicionalmente, podem ainda contribuir voluntariamente para os mesmos ou outros fundos de pensões, de modo a aumentar o valor futuro esperado da sua reforma. A responsabilidade com o benefício radica no indivíduo pelas suas contribuições e pela escolha do fundo onde as aloca. A responsabilidade do Estado fica restrita a valores mínimos de pensões e sobretudo a grupos económicos incapazes de gerar rendimentos suficientes para assegurar uma pensão de reforma no futuro.
O regime de Segurança Social prevalecente em Portugal identifica-se como sistema de repartição com benefício definido, podendo ter induzido uma diminuição da taxa de poupança por precaução ou, mais interessante, o incipiente desenvolvimento da indústria de fundos de pensões. Designadamente os denominados fundos ocupacionais muito populares em algumas partes da Europa. São fundos de pensões de determinadas profissões que resultam da associação de um grupo de profissionais, o qual funda uma sociedade gestora de fundos de pensões, com características várias de modo a dar resposta a diferentes perfis de risco e de horizonte de investimento dos associados. Estes fundos surgem como consequência do plafonamento das pensões e pela obrigatoriedade de alocação de contribuições mandatórias presidida pela lógica de capitalização e contributo definido. A competição entre as várias sociedades gestoras, públicas, associativas, e privadas radica nas remunerações ou valorizações oferecidas.
A transformação de um sistema de repartição num regime de capitalização com plafonamento levanta a importante questão do seu financiamento. No caso de o nível de dívida pública ser reduzido, esta passagem pode ser facilitada. O Estado terá de emitir dívida adicional para o estabelecimento das contas individuais, podendo em simultâneo beneficiar da procura por dívida pública por parte dos novos fundos. Se esta hipótese estiver vedada ao Estado, os atuais financiadores do regime de repartição terão em paralelo de suportar o estabelecimento do sistema de capitalização. Para tal ser viável, os rendimentos na economia têm de estar a crescer a um ritmo forte e a carga fiscal tem de ser considerada suportável. Para uma sociedade envelhecida num Estado fortemente endividado e com baixo crescimento económico, a transição entre modelos será sempre um processo delicado, desafiante e problemático.
O sistema de capitalização, tipicamente com plafonamento, pelo desenvolvimento da indústria de fundos de pensões oferece importantes vantagens à economia. Favorece o surgimento e florescimento do mercado de capitais, pois cria uma importante fonte de procura de títulos representativos de capital e dívida. As empresas podem reduzir a sua dependência de crédito bancário e terão uma fonte adicional de oferta de capital. Pode igualmente reduzir a necessidade de financiamento do Estado por não-residentes. Outro aspeto interessante desta alteração de paradigma da Segurança Social está associado à dicotomia remunerações do fator capital vs. fator trabalho. Com a afetação das contribuições a fundos de pensões, a participação no capital de empresas por parte da maioria da população empregada cresce. A apropriação dos lucros das empresas pelos detentores do fator trabalho expande-se através da valorização das contribuições para fundos de pensões, porquanto as poupanças aplicadas antes predominantemente a depósitos bancários são agora alocadas com maior peso a capital de empresas. Um equilíbrio mais saudável da economia pode ser atingido. Reforma-se o sistema de pensões, o sistema financeiro, o financiamento da economia e a repartição de remunerações entre trabalho e capital.
Economista
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